
Zumbi, herança africana inscrita em episódios de tanta crueldade
Neste 20 de novembro, relembro uma crônica que escrevi que, de alguma forma, se insere nas questões que o Dia da Consciência Negra nos traz. Vou a ela.
O culto aos olhos claros me irrita. Não porque eu rejeite o que há de mar (ou de mares) neles, nem porque ache pobres as metáforas que os cerquem (embora sejam).
O problema é fazer dos olhos claros um paradigma de beleza a ponto de famílias, em alguns lugares do planeta, comemorarem (ainda que discretamente) a chegada de um bebê com olhos claros... Coisa mais insensível...
E as postagens de “belezas negras de olhos azuis”? Ainda que haja um contraste visualmente interessante e bonito, a verdade é que as “belezas negras de olhos morenos” raras vezes são postadas...
E fica, no não dito, certa ideia de que um negro ter olhos claros é um “diferencial positivo”. Não importando, por exemplo e inclusive, se houver um grau alto de miopia ou de hipersensibilidade à luz... Insensibilidade por todos os lados.
Eu acho lindos os olhos morenos! E não lhes nego a metáfora do mar (por mais batida que seja). Há neles o mar profundo, que esconde cores diversas.
Mergulhar neles é viver a experiência do escafandrista que, em águas profundas, encontra cores que a superfície jamais poderá mostrar... Basta olhar com a atenção de quem não é marionete do imperialismo estético branco, loiro, azulado ou esverdeado!
Meu Moreno sabe disso, porque vivo elogiando os faróis que partem dele para iluminar minha vida. Coisa boa ser escafandrista nas suas águas profundas...
Mas talvez muitas pessoas queridas nem saibam da beleza que eu vejo em seus olhos castanhos e negros (que são belíssimos, independentemente de minha opinião). Eu vejo suas fotos e sempre fico deslumbrada com a força misteriosa que vem de seus castanhos claros, castanhos escuros e negros.
Enfim, é difícil entender essa coisa chamada “estética do belo”. E quem estuda literatura sabe o que é ser refém desse conceito, afinal, mesmo em arte somos levados a juízos preestabelecidos que não nos deixam ver e sentir além dos paradigmas.
Tenho que pensar sobre isso... E tentar redimensionar minha percepção estética, ampliando, cada vez mais, minha capacidade de encontrar beleza no mundo, ainda que os próprios estudos literários me levem ao movimento contrário, tornando-me (se eu deixar) uma pretensiosa “jurada” da estética do mundo.
Cabe dizer que, nesta crônica, não quero ser jurada de nada! Mas apenas homenagear amplamente pessoas cujo olhar me comove, incluindo a licença poética que o amor me concede de achar os olhos do meu amor os mais lindos do mundo!
Na verdade, o que eu gostaria mesmo era de viver em um mundo em que só o milagre da visão bastasse para vivermos a experiência estética do belo...
Mas, já que não “estamos prontos” para o maravilhoso, que, ao menos, pouco a pouco, passo a passo, aprendamos a abrir mais os olhos para as reais e infinitas possibilidades de nos extasiarmos com as belezas deste mundo, que vão muito, muito além de meia dúzia de paradigmas redutores e tristes.
Viva o Dia da Consciência Negra! Valeu, Zumbi! Minha sincera gratidão a tudo o que nossa herança africana (inscrita em episódios de tanta crueldade) faz brotar de emoção em meu ser.
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