Aparte
Opinião - Ilma Fontes não era alta, mas não era pequena. Gigante que foi, gigante se foi 

[*] Jan Gustave de Souza Havilk

Ilma Fontes não era alta. Talvez chegasse a 1,60 metro. Mas naquilo que lhe faltava em centímetro, tinha de sobra de determinação, que se evidenciava em suas passadas.

Ilma caminhava de modo decidido. A mais das vezes, com as duas mãos no bolso, arqueando os braços.

Se fosse devagar, passeando com sua cadela obesa - que ninguém comentasse isto em sua frente -, na Ivo do Prado, parecia um flaneur.

Se quisesse numa caminhada à noite, em frente ao Atheneu, ser ligeira, seus passos rápidos e determinados faziam as vezes de um garçon manqué, um quase menino. 

Hoje, 10 de abril, completaria mais um ciclo do horóscopo. Muitos falaram muito bem dela. A Ilma da maioria deles é palatável como lembrança.

Em vida, era mordaz e sagaz. Pegava tudo num estalo, Yumah de Fontesy, dizia ela, se fosse francesa. Moquinha era terrivelmente humana, falha, ferina, brigona. Generosa e acolhedora. 

Para aqueles que dizem saber a Bessa (o Bráulio) diria: “poeta de passarinho, que rima emoção com coração e passarinho com carinho”. Se lhe passassem a perna: “fizeram me uma crocodilagem”.

Tenho 1,86 metro. Nos meus 17 anos, Ilma parecia gigante. Sentávamos no sofá e ela abria seu universo. Conselho para poesia: “mais curto, menos verbo”. 

Suas experiências macrobióticas, neuróticas, poéticas. De Anais Nin a Steven Spielberg. A mim me deu Orlando, de Virgínia Woolf, e hoje percebo o quão muito aquilo me dizia dela, dando de si, explicando a si através de um gesto. Um livro. 

Pouco vaidosa fisicamente, Ilma era orgulho puro. Em especial, do cozido de seu Aderbal - comunista - e do seu Jornal pouquíssimo marxista - o Capital -, doidamente feroz com o ordinário das ruas de Ará. “Rita Lee, irrita aqui”. 

Sentada em frente ao seu computador num word antiquadíssimo, resistia ao ordinário sim. Curvada e diagramando o folhetim, saía um mundo de Aracaju para as Minas Gerais de Carlos Scliar, Floripa, POA, Coreia do Sul.

Gay e hetero, médica e poeta, mulher e menino, coração e razão. Ainda lembro, ao comentar uma frivolidade de uma fulana qualquer, soberba e majestosa, de ela dizer: “eu já fiquei deitada no mercado com a câmera nos ombros gravando um filme. Por isso eu vou virar nome de rua, porra!”.

Ilma não era alta, mas não era pequena. Gigante que foi, gigante se foi. 

Mais do que rua, merece nome de uma avenida. Quem sabe não cruze ali pelo asfalto do poeta Mário Jorge a via da poetisa Ilma Fontes.

[*] É advogado, militante socialista, soteropolitano de nascença, sergipano de coração.

 

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