Aparte
Opinião - A emocionante trajetória de Ney Matogrosso numa justa biografia

[*] Marival Guedes

Caetano Veloso escreveu na orelha do livro sobre Ney Matogrosso que a obra é “leitura emocionante”. Não encontrei termo mais apropriado para esta “Ney Matogrosso, a biografia”, Companhia das Letras. São 512 páginas resultadas de quase 200 entrevistas realizadas em cinco anos pelo escritor e jornalista Julio Maria.

“Ney Matogrosso, a biografia” conta a expulsão de casa pelo pai, um militar, quando Ney, aos 17 anos, se defendeu de uma agressão física, o ingresso na Aeronáutica, o trabalho num hospital em Brasília. Ela diz da vida hippie dele, vendendo artesanato e dormindo em casas de amigos. De seus amores, do sucesso no Secos & Molhados, da carreira solo etc.

No período em que confeccionava e vendia artesanato, Ney Matogrosso também atuava no teatro. A grana era curta e ele passava fome. Um dia desmaiou no palco, como consequência da subnutrição.

O teatro era uma das paixões de Ney Matogrosso. Certa vez confessou ao ator Leonardo Villar - 25/07/1923-03/07/2020: “Eu não quero ser cantor, quero ser ator”. Villar respondeu-lhe: “Não lute contra isso, Ney. Você é cantor”.

Nesta mesma linha a amiga carioca Luli - 19-06-45-26/09/18 - cantora, compositora e multi-instrumentista, o aconselhou de uma forma que soou meio mística: “Não negue o chamamento, Ney”. Ele não negou.

E foi Luli quem o apresentou ao Secos & Molhados no período em que o grupo chegou a vender mais discos do que Roberto Carlos. Ney rompeu com a banda, segundo o biógrafo Julio Maria, porque o líder João Ricardo tentou lhe aplicar um golpe.

Escrevo este texto com a cautela de quem quer evitar o comentado spoiler. Mas contarei resumidamente duas historinhas elementares. A primeira, sobre o fato de Ney fazer muito sucesso e sair às ruas anonimamente.

Um dia ele e um amigo foram a uma loja de discos e perguntaram às vendedoras como estava a vendagem dos Secos. “Vendendo bastante”, respondeu uma moça. “O que acha do cantor?”, perguntou o amigo. “Eu adoro o que rebola na frente. Será que ele é veado?”. Os dois saíram sorrindo.

Uma das características de Ney Matogrosso é a generosidade. Quando foi ao banco depositar dinheiro acumulado e não conseguiu, retornou e disse aos amigos: “Ali tem um saco de dinheiro, quem precisar é só pegar”.

Noutro caso, quando um ex-namorado foi contaminado pelo HIV, Ney foi buscá-lo, montou um quarto especial e bancou o caríssimo tratamento. Familiares da vítima choram quando relatam este episódio.

Aliás, Ney Matogrosso viu vários amigos e ex-amores serem levados pela Aids. Quando fez o teste e deu negativo, não comemorou em respeito a essas pessoas.

Mas foi vítima da maldade da Revista Amiga, que colocou em manchete sensacionalista: “A Aids de Ney Matogrosso, Milton e Caetano”. No texto, no entanto, não havia confirmação. Entretanto, o estrago estava feito. Ele acionou a justiça e ganhou U$ 350 mil de indenização.

O Ney Matogrosso multiartista completou 80 anos no dia primeiro de agosto deste ano. Escapou da Aids, da Covid, das manchetes maldosas e continua cantando e dançando magistralmente e para a alegria do bom gosto nacional.

E assim ele também é, sob o arco da coreografia e da dança, o ator que sempre quis ser. E dos bons.

[*] É jornalista baiano, com atuação no sul do Estado e em Salvador.

 

Ω Quer receber gratuitamente as principais notícias do JLPolítica no seu WhatsApp? Clique aqui.

Deixe seu Comentário

*Campos obrigatórios.