Aparte
Opinião - Monte Alegre e o clientelismo difuso II

[*] Jean Marcos da Silva

Em Monte Alegre, as tramas que convergem na euforia eleitoral são tecidas muito antes, embora isso não aumente a efetividade das ações levadas à prática caso os agentes políticos atinjam as posições desejadas.

Começam a ser tecidas, por exemplo, quando um vereador que tem pretensões de subir de escala na cadeia alimentar político-eleitoral passa a subsidiar a compra de botijões de gás para duas dezenas de famílias de um conjunto habitacional periférico da cidade, a algumas centenas de metros do núcleo urbano consolidado.

E ele não o faz por decisão própria, mas consultando um deputado federal, desses mesmos que atendem clientelisticamente às dignas demandas democráticas dos mais pobres. A rede clientelística é ampla e as decisões, compartilhadas.

Mas as tramas começam ainda antes, quando a população de alguns povoados, querendo se fazer representar diretamente, cogita e especula lançar candidatos próprios para, pelo menos, pular um intermediário, um vereador.

Nisso não vai maldade dos envolvidos, mas uma justa estratégia de tentar diminuir a dependência das trocas clientelísticas, tendo uma ligação mais direta com elas, de modo que, quem sabe, com maior capacidade de pressão, consigam benefícios duradouros que reduzam a submissão; uma ligação à rede de abastecimento de água, por exemplo. 

Um parêntese necessário. Boa parte das comunidades rurais de Monte Alegre não têm abastecimento de água pela Deso, precisando de carros-pipa. Em recente tese de doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento da UFS, Alane Regina Rodrigues dos Santos trabalha com indicadores sociais, econômicos e outros para aferir o grau de sustentabilidade de pequenas comunidades rurais no Alto Sertão, inverso ao seu grau de dependência de trocas clientelísticas.

Usando como exemplo o povoado Belo Monte, e baseada em entrevistas com 19 moradores da localidade, Alane Regina Rodrigues constata que dois terços dos moradores têm um parente em situação de êxodo rural familiar e 100% dependem do abastecimento de água através de carro-pipa.

Que 95% “já recorreram a algum político ou pessoas com poder aquisitivo elevado para obter acesso à água ou outro tipo de favores socioeconômicos”, 79% têm renda familiar menor que um salário-mínimo e quase 70% dependem inapelavelmente da renda de benefícios sociais para prover a subsistência, já que a renda do trabalho, por si só, não basta.

Mas o estudo em questão mostra que essa não é uma realidade apenas do laborioso povo o Belo Monte, mas também dos povoados Xafardona, Cajueiro, Bom Jardim etc. Logo, compreende-se o empenho da gente do Belo Monte em promover como candidato a vereador um dos seus moradores.

Todas essas tramas político-clientelísticas que precedem a euforia só são resolutivas para preparar a ascensão ou consolidação do diminuto poder dos políticos locais, mas não resolvem os dramas que suscitam as demandas que procuram atender.

Não constroem a ligação das comunidades com a rede geral de abastecimento de água, não estabelecem políticas de desenvolvimento que gerem emprego e renda, não criam leis que estabelecem políticas públicas estáveis de transferência de renda emergencial e nem as condições econômico-financeiras que as tornem sustentáveis. Não geram condições para o exercício da autonomia, mas apenas perpetuam o “humanístico” laço do favor, da dependência. Produz tutelados, não cidadãos.

[*] É graduado em Ciências Sociais pela UFS e professor efetivo de Sociologia da rede pública estadual de Alagoas.

 

 

Ω Quer receber gratuitamente as principais notícias do JLPolítica no seu WhatsApp? Clique aqui.