Aparte
OPINIÃO - O poder da música como instrumento de transformação social

[*] Adalberto Vasconcelos Andrade

Será que de fato ela tem esse poder? Para falar sobre o tema, eu vou me limitar a meia dúzia de nomes, cujas canções de sua autoria tiveram cunho político na época em que o Brasil estava sob o comando dos militares. Cito: Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Raul Seixas, Chico Buarque e Odair José.

Nomes que se destacaram nos famosos Festivais dos anos 60 - no Teatro Record de São Paulo -, a exemplo de Jair Rodrigues interpretando “Disparada”, de autoria de Vandré e Theo de Barros, que empatou com a já famosa “A Banda” de Chico Buarque, interpretada por Nara Leão, transformando os dois jovens em estrelas da noite para o dia.

Safra de cantores e compositores que influenciou gerações com a sua irreverência, e revolucionou a política nacional - já que vivíamos o período histórico em que os militares governavam o Brasil. Período este que caracterizou-se pela falta de democracia, censura, perseguição política e repressão aos que eram contra o regime militar.

E lá estavam eles, protestando contra o sistema através da música. Não à toa tiveram suas músicas censuradas, alguns foram presos e outros exilados ou “convidados” a deixar o país. Era do Brasil do “Ame-o ou Deixe-o” - coisas do gênero ou dos generais.

Em 1967, Caetano Veloso lança a sua antológica “Alegria, Alegria” no 3° Festival de Música Popular Brasileira da TV Record. No ano seguinte, Caetano e Gil são presos em São Paulo 14 dias após o AI-5 entrar em vigor. Foram transferidos para o Rio de Janeiro e soltos dois meses depois.

Foi desse episódio que germinou uma das mais belas canções do vasto repertório de Gilberto Gil: “Aquele Abraço”. Com a música, ele tencionava despedir-se do Brasil elogiando suas belezas e criticando seu pior aspecto: o início dos anos de chumbo e o governo militar.

Mas ao voltar a Salvador foram presos novamente e submetidos à prisão domiciliar, proibidos de fazer shows e de dar entrevistas. Em meados de 1969, os dois foram exilados. Em 1971, Roberto Carlos, com seu jeito peculiar e romântico, homenageia o amigo Caetano Veloso com a música “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”, onde narra de forma subliminar o drama de quem foi expulso do próprio país.

Raul Seixas - o eterno pai do rock brasileiro -, passou por situação semelhante com a censura por causa de “Sociedade Alternativa”, composta por ele e por Paulo Coelho. Roberto Menescal, músico e amigo de Raul, conta uma história que ilustra a ingenuidade da dupla que pretendia trazer boas novas ao mundo com a sua “Sociedade Alternativa”.

Ano de 1974. Quem era o poderoso chefão?  Ernesto Geisel. Raul e Paulo Coelho receberam um convite do porta-voz do general Geisel, que dizia querer maiores informações sobre a tal “Sociedade Alternativa”. Segundo Menescal, os dois ficaram na maior alegria acreditando que o governo militar queria discutir com eles suas ideias.

Fizeram então diversos contatos com assessores do governo e o resultado dessa confiança traduziu-se em buscas ilegais em seus apartamentos, prisão e posterior exílio nos Estados Unidos. A história do exílio só estourou nos anos 80, quando se podia falar um pouco do que aconteceu na época.

Além destes, outro cantor que sofreu forte censura dos militares e também da Igreja foi Odair José. Suas melodias seguiam na contramão dos dogmas, dos conceitos e valores morais defendidos pela Igreja. Suas canções falam por si: “Eu vou tirar você desse lugar”, “Pare de tomar a pílula”, “Deixe essa vergonha de lado”, entre outras.

Foi até ameaçado de ser excomungado pela Igreja Católica. Se foi, não tenho como provar. Mas numa entrevista recente a Globo News, o repórter indagou o que mudou no dia seguinte ao ser excomungado pela Igreja. Ele simplesmente respondeu: “Nada. Nem no dia seguinte nem depois”.

Geraldo Vandré, que também compôs com Theo de Barros a música “Pra não dizer que não falei das flores” - mais conhecida como “Caminhando” -, nas raras entrevistas que concedeu, lembro-me que em certa ocasião ao ser questionado pelo jornalista qual o poder da música como instrumento de transformação político-social, ele respondeu mais ou menos assim - faz tempo isso: “A música não tem o poder de mudar a política. Mas a política mudou a minha vida pra sempre. Através da música, a luta foi em vão”. Ele tem lá as suas razões.

[*] É administrador de Empresas, policial rodoviário federal aposentada e escritor.