Aparte
Opinião - Monte Alegre, 1988-2020: crônica de tragédias eleitorais e falsas esperanças (II)

[*] Jean Marcos da Silva

A eleição de 2004 em Monte Alegre pode ser considerada atípica, pois foi a única marcada por vitória com ampla vantagem. O então empresário João Vieira de Aragão obteve 57,6% dos votos válidos - 3.602 votos -, com 15,10% de vantagem sobre Osmar Farias, que teve 42,4% dos votos válidos - 2.655 votos.

Explicar essa acachapante vitória de Aragão não é fácil. Rejeitamos de partida a acusação, feita por eleitores mais apaixonados, de que a vitória dele ocorreu por causa da compra de votos.

Essa interpretação apareceu novamente em jingle de 2008 da campanha do ex-arquirrival de João Vieira e hoje seu parceiro-amigo-irmão Tonhão - jingle que ridicularizava as supostas dívidas de João Aragão com agiotas - pessoas não gratas -, que supostamente financiaram sua campanha.

Primeiramente, o povo do lugar afirma como óbvio que a ação da compra de votos se deu em todas as eleições e foi realizada por todos os candidatos, derrotados ou vencedores - não afirmo isso, apenas me apoio, para argumentar, numa percepção popular e difusa. Logo, tal fato, se ocorreu, não foi diferente de pleitos anteriores, não conseguindo explicar a diferença específica da eleição de 2004.

Em segundo lugar, apesar das oscilações para menos do tamanho do eleitorado local - 8.059 em 1996, 7.794 em 2000, 6.954 em 2004 -, o número de eleitores que foram votar entre 1996 e 2004 esteve sempre na casa dos 6.600.

O importante é que, em 1996 e 2000, a vitória foi obtida sempre com base em mais ou menos 350 votos. Logo, foram estes que oscilaram entre uma eleição e outra entre os dois grupos. Por compra ou decepção, essa era a margem. Não há dinheiro que explique uma diferença três vezes maior.

E por que especificamente em 2004 haveria essa imaginária abundância de recursos, quando as eleições anteriores foram muito mais competitivas e envolveram gente igualmente com dinheiro? A hipótese da compra massiva de votos é mero recalque de derrotados. 

Sustento a hipótese de que três circunstâncias específicas e até agora irrepetíveis explicam a significativa vitória. Em primeiro lugar, parece ter havido um verdadeiro fenômeno de psicologia de massas, apoiado nas condições reais de uma população pauperizada sempre disponível para ilusões, dos demagogos messiânicos aos tecnocratas carismáticos.

João Vieira era visto como empresário de sucesso, um dos donos do que à época era o único supermercado da cidade. Com fama de bom pagador, não foi difícil os pobres monte-alegrenses verem nele um redentor, uma esperança, o diferente, a renovação.

Além disso, ele contava com o apoio do então deputado federal Heleno Silva, originário do povoado Vaca Serrada, distante quatro quilômetros da cidade. O vice de João Vieira foi Dinho de Luzinete, meio-irmão do deputado Heleno.

A ligação de Aragão com um deputado federal prometia trazer muitos recursos federais para o município e a realização de muitas obras, o que de fato ocorreu ao longo do seu primeiro mandato, marcado pelo calçamento de ruas, construção de praças, conjunto habitacional etc.

Por fim, houve, pouco tempo antes fato que contribuiu para abalar momentaneamente a fidelidade de parte de eleitorado de Osmar, composto majoritariamente de populações do interior, à época ainda marcado pela agitação dos acampamentos do MST.

Ocorreu uma ocupação de fazenda de um aliado de Osmar e este, acreditou-se à época, demandou do então governador João Alves Filho, seu aliado, rápida intervenção da polícia militar. Segundo relatos de fontes locais, o despejo contou com cenas dramáticas, que sensibilizaram a população local, quase toda ligada entre si por laços familiares extensos. 

A eleição seguinte, em 2008, já retornou para os eixos da normalidade monte-alegrense: João Vieira foi reeleito com 52,6% dos votos válidos - 3.844 -, enquanto Tonhão teve 47,2% - 3.448. Embora tenha sido um mandato realizador em termos de obras, a diferença nesse aspecto foi apenas de quantidade, pois todos os prefeitos citados fizeram-nas, indo atrás de tais recursos junto aos “seus” deputados e governadores. O volume, no entanto, foi suficiente para essa reeleição apertada, com apenas 5,4% de vantagem.

Mas por que a reeleição não se deu com a mesma vantagem da de 2004? Podemos especular que isso se deveu - ocorreu, devido ao fato - de que os quatro anos de mandato revelaram o óbvio de que em política não há redentores e de que era impossível realizar as elevadas expectativas do eleitorado; quem esperava uma chuva de empregos e uma política livre de vícios e preferências, percebeu que isso era fantasia. A decepção é eleitoral com forte capacidade de influenciar votos.

[*] É graduado em Ciências Sociais pela UFS e professor efetivo de Sociologia da rede pública estadual de Alagoas.

 

 

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