[*] José de Almeida Bispo
Lendo aqui neste espaco da Coluna Aparte o recente e excelente o artigo "Paisagem Cultural, Patrimônio e Patrimonializacão", da professora Maria Augusta Mundim Vargas, do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe, entre outras atividades, a língua coçou para manifestar-me sobre o objeto do supracitado.
Especialmente por algo que um ceboleiro normalmente fica impaciente: o desperdício de oportunidade de ganhar dinheiro. Obviamente fortalecendo a própria cultura; a identidade, no que deve consistir todo ato de proteção do patrimônio histórico e cultural de um povo.
Ninguém virá para Sergipe fazer turismo para ver parques de diversão ou resorts, hotéis, pousadas, ou mesmo praias que tem em todo o mundo; isso serve de detalhes adicionais, em que pese imprescindíveis como logística; mas, principalmente para ver aquilo que só nós temos, ou como o temos.
Sergipe está na trilha da formação histórica do Brasil, europeu, obviamente, como um enclave entre as capitanias, depois províncias e estados de Pernambuco e Bahia.
O primeiro, mais forte economicamente, entre as primeiras terras invadidas pelo europeu; e em seguida o segundo, por abrigar, nada mais, nada menos que a capital de toda a colônia por quase dois séculos com alguma breve interrupção, geralmente por divisão de poder.
Sua conquista, com termo na última noite do ano de 1589, 40 anos depois da ereção da cidade de Salvador o foi, entre outros motivos para que se estabelecesse caminhos por terra entre o maior centro econômico colonial – Pernambuco (que incluía Alagoas) – e a Bahia, centro administrativo não economicamente distante de Pernambuco: o Caminho do Mar, parte ainda viva em trajeto de longa distância no início do século XIX – foi por onde transitou a força legalista contra a Revolução Pernambucana, desde a Estância do Rio Real, útero do Exército brasileiro , nascido nos Guararapes - e o do Sertão do Meio ou das boiadas, mormente no século XVII de que também ainda restam traços, a despeito de já deformado em 1808, segundo D. Marcos de Souza em suas Memórias Sobre a Capitania de Serzipe. Uma encruzilhada.
Usada inicialmente como supridor de gado e montaria, como observa Diogo Campos Moreno, em 1611, e logo depois foco da cobiça estrangeira pelos holandeses com os rumores que se converteram em lenda da prata de Itabaiana.
Ainda viria a ser a província farinheira por excelência, contribuindo folgadamente para as aventuras lusitanas da Colônia do Sacramento. Enfim, integrando-se aos grandes centros produtores de açúcar, especialmente depois da segunda metade do século XVIII.
E, vem daí o grosso do que ainda resta de pé das nossas edificações coloniais. Um lugar cheio de história própria; só nossa, que só nós temos e por isso só nós podemos bem contá-la. E o que faz o turismo e tem feito o turismo sergipano?
Não basta tombar - tem que conservar. Viver o patrimônio tombado; dar-lhe vida. Reincorporar ao cotidiano das pessoas; fazê-lo parte das suas vidas, com o foi no passado, agora gerando renda e diversão. Cultura viva, enfim.
Caso contrário não passará de, na melhor das hipóteses, formulação de boas intenções intelectuais. Isoladas. Não inclusivas, não reprodutivas, não perenes. Inertes.
Não basta criar a lei; é preciso revitalizar a história para que se materialize a preservação, uma vez que ninguém ama aquilo que não conhece. A capela do Engenho Penha, Riachuelo, muito bem explicita isso.
Mesmo tombada pelo que veio a ser o Iphan, em 23/03/1943, está há pelo menos vinte anos desabando, toda depredada, túmulos violados, altar-mor desaparecido, ninguém sabe desde quando.
Sergipe tem a Rota do Sertão, um circuito turístico que nasce na capital e acaba nos cânions do Velho Chico, em Xingó, no qual vem adjacente a Grota do Angico. Antes de lá chegar, contudo, partindo da capital e tomando a BR-235 tem pelo caminho uma igreja e cemitério do século XIX, uma ruína, por sinal tombada pela Iphan e um hotel-fazenda; depois o cruzamento do Caminho do Mar pela BR-235; um Parque Nacional; o Parque dos Falcões; as ruínas da Igreja Velha, em Itabaiana – uma das três existentes em Sergipe, quando da invasão holandesa; uma grande feira livre – a de Itabaiana – e mais outras seis menores pelo caminho.
Pergunta-se: quanto desses sítios estão incluídos no pacote? E só ver a paisagem urbana de Aracaju e os cânions e pronto?
Como dos velhos currais seiscentistas nenhum resta de pé – em que pese no subúrbio de Itabaiana, e avistável a um mil metros da BR-235 ainda restar um fazenda de gado ininterrupta desde ao menos a invasão holandesa – porém é dos engenhos, quase todos dos setecentos ou oitocentos, que, mesmo não restando quase nada dos 753, de 26 de junho de 1856, levantados no Relatório do presidente Sá e Benevides, de 2 de julho do mesmo 1856. Todavia, um bom projeto de conservação e restauração do ainda resta, como também o suporte às raras unidades bem conservadas, no todo ou em parte, enriquecerá, sobremaneira o cardápio turístico de Sergipe.
São histórias daquelas famílias que ao longo dos últimos três séculos fizeram Sergipe. Belos exemplos não faltam: Escurial (São Cristóvão), Belém, Dira e Tejupeba (Itaporanga d’Ajuda) a Capela do Santa Rosa (Santa Rosa de Lima) os muito bem conservados de Estância e Santa Luzia do Itanhy, como o São Félix.
Neste caso dos engenhos do Sul, a mágica foz do Rio Real se agrega ao circuito, com suas histórias de piratas franceses, holandeses, ingleses à atividade de pirataria que ali se observou caberia até lendas de um "Jack Sparrow". Bem além das areias das belas praias do Saco, e por que não, com a inclusão de Mangue Seco, no lado baiano e toda a magia que a história reserva à região.
Ainda em relação aos engenhos, temos aqueles dos quais ainda restam ao menos suas capelas em ruínas, como também as suas sedes ou partes, como Penha e Jesus, Maria e José (Riachuelo), Pedras (Maruim)... tudo isso amalgamado com muito folguedo, costumes e comidas.
Qualquer projeto turístico para o Estado de Sergipe, para “pegar”, não pode ser por partes ou exclusões. Tem que ser no todo.
O que tem em Brejo Grande somado ao que vem de Simão Dias; de Canindé à Indiaroba. Com epicentro, óbvio, pela capital.
Decerto se já avançou muito, mormente no que toca a Laranjeiras e a cidade de Sergipe d’El-rei; todavia, na minha opinião é muito pouco para as potencialidades do Estado.
E não esquecer que Sergipe já ganhou uma santa - a Santa Dulce dos Pobres -, e está prestes a ganhar mais um genuinamente sergipano: o beato José Gumercindo dos Santos.
[*] É historiador.
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