Aparte
Opinião - Governo criminoso e o plano de uma ruptura institucional definitiva

[*] Cadu Siqueira

Vivemos sob um Governo Federal que não dá sossego. Impossível viver um dia sem notícias que abalem o equilíbrio - emocional, econômico, institucional, racional, jurídico, cultural, político –, isolada ou conjuntamente, do convívio em sociedade.
Em meio à instabilidade, muitas qualificações são apresentadas para o governo e para o governante. Aqui, resumo como um governo criminoso, relegando a segundo plano a necessidade de adjetivar o ocupante da Presidência da República. Explico.

Primeiro, justifico o fato da irrelevância de qualificar o presidente. Poderia dizer que é um sujeito despreparado, sem capacidade de gestão, inapto ao comando das instituições, movido por vontades egoístas, desprovido de empatia e sem educação para o trato com as pessoas. Uma personalidade autoritária.

Tudo isso é irrelevante, principalmente quando já se sabia dessas características ao elegê-lo, bem como por ser conhecida a baixa capacidade de controle do padrão de decoro pelas instituições pátrias.

Por último, ainda há uma importante análise de que Jair Bolsonaro não passa de uma figura fabricada pela ultradireita como resposta ao apelo populista ao qual diversas nações foram conduzidas pelo acúmulo de insatisfações e de tensões sociais.

Nesse cenário, considerando tratar-se de agente político, só interessa responder como o sujeito dirige a estrutura que está sob seu comando. Todas as evidências acumuladas demonstram o caráter criminoso que orienta a condução da agenda articulada a partir do Palácio do Planalto e de vários Ministérios.

Advirta-se que isso não quer dizer que eventuais projetos sérios deixem de tramitar, sendo até implementadas políticas que impactam positivamente. Contudo, o que sobressai é aquilo apresentado publicamente como prioridade, ou seja, para que propósito a maior parte da energia dos principais atores do Executivo Federal está canalizada.

Sob tal recorte, é de fácil constatação que falas, reuniões, contatos políticos, conversas com populares, ordens formalizadas, escolha de ministros e assessores, influenciadores de decisões, dentre outros elementos importantes, apontam para o caráter criminoso do Governo.

Conforme se tem noticiado, há agressões verbais ao próprio povo, ao Congresso, ao STF, a ex-integrantes do próprio Governo, a opositores em geral, a determinados países e povos.

Há perseguição a servidores públicos, preservação e elogio a ministros e outros apoiadores investigados e indiciados - mesmo sob graves elementos que indicam o cometimento de crimes -; uso de recursos públicos para propaganda institucional quando a finalidade é educativa no combate à pandemia.

Há indicação irregular de medicamentos por pessoas inabilitadas para tanto, intervenção indevida de familiares nas políticas públicas, promoção de aglomeração; incentivo ao não uso de máscaras, mentiras sobre a eficácia das vacinas contra Covid-19, disseminação compulsiva de notícias mentirosas.

São inúmeras as condutas que apontam o cometimento, em tese, de crimes de responsabilidade, de crimes comuns e de atos de improbidade. Até mesmo infrações de trânsito são expostas com prazer e desdém.

As ações manifestadas pelo presidente et caterva trazem à luz a prioridade: manter uma divisão social e concentrar comando, de modo a dar sustentação ao projeto de poder do grupo político que integram.

A disseminação de mentiras e a tentativa de silenciamento dos opositores fazem parte do método adotado. Por outro lado, não se vê o presidente trabalhar. Ou seja, desempenhar efetivamente suas atribuições.

Como disse a deputada Tabata Amaral, temos um folgado no poder, com compromissos de pouca importância social, mas alinhado ao objetivo político. Novamente: a mim não interessa a condição de folgado, mas sim o fato de essa folga ser articulada por atitudes criminosas. Isso é preocupante e está conduzindo o país ao fundo do poço.

E antes que me chamem de pessimista e até digam que a economia voltou a crescer ou que o dólar voltou a cair - depois de chegar a valores impensáveis -, demonstre-se o que de fato ocorre: a desigualdade social voltou a crescer, poucos estão mais ricos e a maioria está mais pobre.

Não é objetivo desse texto falar de políticas econômicas nem da erraticidade da concessão do auxílio emergencial. Um último parêntese sobre a tratamento a ser conferido ao Governo diz respeito à cortina de fumaça que a divisão em alas tem criado.

Ala ideológica e ala técnica. Onde está a ala técnica? Qual técnico age com independência? Quem dirige políticas contra a ideologia do presidente? O governo criminoso age sob alinhamento único, sem segregações nem concessões.

Óbvio que a vasta gama de acontecimentos rotineiros da grandiosa administração federal muitas vezes segue padrões não controláveis politicamente a priori, apesar do obstinado desejo de muitos em fazê-lo. Também há entregas que capitalizam bônus político, as quais fluem normalmente, inclusive as advindas de governos anteriores. Isso não revoga a característica central do Governo.

Todas as qualificações atuais estão, portanto, contidas na noção macro de Governo criminoso. Os atentados à democracia expressados pelo conjunto de ilícitos revelam um método próprio para um crime final: uma ruptura institucional definitiva - um golpe de Estado.

É necessário dar nome aos bois para combatermos o problema tal qual se revela. Ano que vem, teremos a oportunidade de um reencontro com a democracia ou de nos dirigirmos ao pior momento de nossa história. Daqui pra lá, não há tempo para relativizarmos os crimes oficiais, impondo-se o necessário combate e a defesa do que ainda resta de país.

[*] É advogado, professor, mestre em Direito Público e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

 

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