Aparte
Opinião - A “conversão” do Bolsonaro: quem te viu, quem te vê. Até quando, porém?

[*] Eliano Sérgio Azevedo Lopes

Já virou lugar comum dizer que o presidente Jair Bolsonaro não é mais o mesmo. Que o ultradireitista genocida deixou para trás o confronto virulento e diário com a imprensa, com seus opositores, com o Legislativo e o Judiciário, no cercadinho do Palácio do Planalto.

O que tem provocado nos bolsomínios-raiz e parte do gado que o idolatra inúmeras críticas sobre essa mudança de comportamento, quando não a construção de narrativas imaginárias e estapafúrdias para justificar as razões de tal transformação e ficar bem na fita.

Certo mesmo é que o capitão Corona, expurgado do Exército por insubordinação e outras peripécias terroristas, e que por quase 30 anos fez parte do chamado baixo clero da Câmara Federal, voltou ao ninho antigo, ao leito natural dos parlamentares medíocres, oportunistas e corruptos, cujos interesses por cargos e dinheiro da viúva são o ar que respiram e o combustível que os movem.

Agora, não mais como um deputado inexpressivo e sim como o mais alto signatário da nação: presidente do Brasil! De braços dados com o Centrão, Bolsonaro desfila garboso pelo Planalto Central, ombreado com generais golpistas de pijama e da ativa e com ministros do Supremo Tribunal Federal que apequenam e envergonham a mais alta corte do Poder Judiciário, guardiã da Constituição e garantidora das instituições e da ordem democrática no país.

O que o faz agir assim? Para muitos, a prisão do Queiroz e da mulher dele, juntamente com as ações da Polícia Federal contra os atos antirracistas, os disparos de fake news e os rolos de seus filhos – tendo à frente o primogênito, senador Flávio Bolsonaro, no escândalo da rachadinha. Isso explicaria essa metamorfose de um pseudo tigrão virar tchutchuca, fazendo par com o seu ministro da Economia. Será?

Acho que essa história de um Bolsonaro-comedido está mais para a fábula do escorpião e do sapo, porém com final diferente da história original. Ao invés de dar a ferroada no sapo antes de chegar à outra margem do rio, e morrerem juntos, afogados, o escorpião-Bolsonaro prefere chegar à terra firme para fazer o que é intrínseco à sua natureza de predador: cravar o esporão no sapo, deixando-o à morte e sair feliz da vida, como se nada tivesse acontecido.

O agradecimento pela ajuda de mantê-lo vivo - do ponto de vista político -, driblando o impeachment do qual teme ser alvo, é efêmero e enganoso. Que o digam os seus apoiadores e cúmplices que caíram em desgraça e foram descartados pelo caminho: Bebiano, Santos Cruz, Moro e, mais recentemente, o ex-porta-voz da Presidência, general Rego Barros.

Sem contar o esporro em público dado no general da ativa e ministro da Saúde, Pazuello. Sim, aquele mesmo do “simples, assim: um manda e o outro obedece”. Em resumo, o Brasil está um país tão esculhambado que um simples tenente (reformado como capitão), expulso do Exército por indisciplina, humilha e constrange, em público, generais da ativa e da reserva, na maior.

Até onde vai a subserviência para manter a sinecura e engordar o soldo? Portanto, é surreal acreditar que a paranoia de que o comunismo está por toda a parte e que todos os que não rezam pela cartilha do autodenominado filósofo Olavo de Carvalho - guru dos extremistas de direita, que junto com o presidente e seus filhos enchem de fake news as redes sociais - precisam ser exterminados (até mesmo fisicamente, se necessário), é coisa do passado.  

Como sou dos que pensam que o passado ajuda na compreensão do presente e ilumina a construção do futuro, a mudança do governo Bolsonaro é circunstancial e pragmática, nada mais que isso. O retorno às práticas autoritárias, o negacionismo, o descaso com a saúde, com a educação, com a cultura e com o meio ambiente são só questão de tempo.

Ou as esquerdas se unem e, juntamente com os democratas e progressistas de outros partidos e membros da sociedade civil, buscam desde logo construir um amplo arco de aliança em prol do Brasil, para as eleições de 2022, ou só nos restará chorar sobre um país em frangalhos e um povo à deriva, sem perspectiva de um futuro melhor. Não pelo coronavírus, e sim pelo vírus Bolsonaro, que é o mais letal dos vírus encontrados até hoje.

Está mais do que na hora de as esquerdas contradizerem o que se tornou narrativa corrente: de que elas só se unem na cadeia e aproveitar as eleições de novembro próximo para iniciar as conversações em busca de consensos e unidade na construção de uma frente ampla democrática visando 2022.

[*] É doutor em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo CPDA/UFRRJ, professor aposentado da UFS e avô da Liz e da Bia.

 

 

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