Aparte
Opinião - Ilma Fontes somos todos nós: brilhemos com ela!

Ilma Fontes nos deixou, mas no processo da sua breve passagem entre nós, também deixou sua marca indelével

[*] Márcio Du Coqueiral 

 As letras sergipanas perdem mais uma grande representante. Na noite de sábado, 3 de abril, morreu nossa querida Ilma Fontes aos 74 anos que, não bastasse toda esta loucura de pandemia, descobriu estar acometida por um tipo raro de câncer de pele, contra o qual havia iniciado o tratamento desde o ano passado. 

Apesar de um breve internamento, optou por se tratar em casa e foi em seu lar, aqui em Aracaju, que ela ascendeu às estrelas, lugar onde certa vez disse estar seu "arado", em uma entrevista ao programa Provocações da TV Cultura.

Figura ilustre do meio cultural e literário sergipano e nacional, Ilma, escritora, roteirista, cineasta, jornalista, médica psiquiatra, curadora e editora do jornal “O Capital”, nos deixa um belo legado através de suas obras e o seu sempre militante jornalismo alternativo. 

Sua contribuição neste campo é inegável, valendo-se principalmente d"O Capital - Jornal de Resistência ao Ordinário", lançado em 1991, no Restaurante Cacique Chá, mantido por ela, e de vital importância como ferramenta de divulgação da cultura e artes sergipanas, tinha circulação nacional e internacional. Ela também criou a “Folha da Praia”, em parceria com o também saudoso Amaral Cavalcante.

Mulher forte e de opiniões firmes, fez do seu veículo vitrine para diversos nomes da cultura local e nacional, evidenciando o menorzinho do Brasil e até mesmo provocando pequenas polêmicas.

Seu desejo de combater a mediocridade a fez trabalhar de maneira incansável, contando apenas com a ajuda de amigos para manter seu jornal vivo e fulgurante, sem depender diretamente de qualquer instituição que seja. 

E por falar em amigos, ela sempre esteve cercada por grandes nomes, tais como Mario Jorge, Joubert Moraes, Guga Viana e outros. Ilma, nas palavras de Eduardo Waack, assíduo colaborador de diversos trabalhos com a mestra "é a nossa grande mãe, nossa mestra, irmã e musa inspiradora. Aonde ela vai, vamos todos nós”. 

Sua presença no jornalismo sergipano sempre foi marcante. E durante a repressão da ditadura militar de 64, fez enfrentamento através de seus textos, desafiando o autoritarismo, onde uma pequena mostra de sua coragem foi a entrevista ao poeta Mario Jorge, seu grande amigo, fato que contribuiu para sua demissão do Jornal Gazeta de Sergipe à época.

Para Waack, os editoriais de Ilma “reunidos são literatura da melhor qualidade”. E nessa seara, a da literatura, Ilma nos deixou uma das obras mais simbólicas, para nós enquanto sergipanos. 

Se trata do seu magnífico “A Fúria da Raça”, produzido em 1987, cinco anos após meu nascimento, mas que só tive acesso e por iniciativa própria na casa dos meus 20 anos. Meu primeiro contato com a obra de Ilma se deu através do livro “Zé Peixe - Uma vida no mar”, biografia sobre o prático do Porto de Aracaju, lançado nos anos 2000, como parte da série “O Livros dos Danados”, editado pela Fundação Cultural Cidade de Aracaju.

Em abril de 2019, lançou sua aguardada autobiografia, “Tempo Bom, Tempo Ruim”. Dizem que para tal feito, precisou vender o próprio carro. Pouco antes, havia publicado “Nervuras-Poesia em Carne Viva”, seu primeiro livro de poemas reunidos. 

Na última sessão da Academia Sergipana de Letras, do dia 29 de março, em leitura do expediente, a acadêmica Jane Guimarães  informou na ocasião a designação de uma Comissão especial para discutir o projeto de digitalização do jornal Folha da Praia. 

Imagino que diante do fato da partida de Ilma, o mesmo deve ser feito com O Capital, da já também saudosa jornalista.

Ilma Fontes nos deixou, mas no processo da sua breve passagem entre nós, também deixou sua marca indelével na cultura e história de Sergipe. Trazendo mais  uma vez as palavras de Eduardo Waack:

“Um dia sei que não estaremos mais aqui. Porém fizemos a nossa parte, estamos fazendo, acertando e errando, da melhor maneira possível. Ilma é a serena lua cheia que cruza os céus da poesia, e ilumina os apaixonados na longa noite latino-americana. Ilma Fontes sou eu, eu sou Ilma Fontes”.

E eu diria mais: Ilma Fontes somos nós. Aceitemos, como dizia ela, o desafio desconfortável de subverter o conservadorismo dominante, e saiamos da fôrma da conformidade. Brilhe, Ilma!

[*] É poeta e militante social.

 

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