Aparte
Opinião – UFS: remoção sem noção pode camuflar racismo e intolerância religiosa

[*] Mariarrose Nascimento

A sociedade sergipana tem conhecimento do significado da palavra “remoção” no serviço público? No nosso regime jurídico - lei 8112/90 -, trata-se de deslocamento de servidores dentro do mesmo quadro.

Por exemplo, da Universidade Federal de Sergipe para a Universidade Federal de Sergipe, a critério ou a interesse da administração.

Se vier de outra instituição federal de ensino, chama-se “redistribuição”. A UFS regulamentou esses critérios na resolução 050/2015, criando um processo seletivo, com abertura de editais solicitados pelos departamentos interessados.

Os conselhos departamentais são soberanos para decidir como darão provimento à vaga, mas têm respeitado o artigo 5º da resolução 50: “A UFS deve priorizar os processos de remoção de que trata o inciso II do artigo 2°, (...)”.

Pois bem. Esta prioridade não está no regime em vigor, mas a própria resolução considera antes duas leis federais que têm os doutores como referência para ingresso no magistério superior.

Em 2019, o Departamento de Direito da UFS lançou edital de remoção, como havia feito também em 2017. Em ambos, não houve inscritos.

Realizou-se, então, o concurso e o primeiro colocado foi nomeado. Agora, surgiu outra vaga e, como o concurso ainda estava válido, o Departamento de Direito - DDI/UFS - convocou, por vontade unânime do Conselho, o segundo colocado para a nova vaga. Ilzver Matos também foi primeiro colocado pelas cotas para negros.

O docente de Contábeis de Itabaiana Uziel Santana, aparentemente, julgou-se preterido no seu direito à remoção, alegando o já referido artigo 5º, mas sem dar relevo ao artig 2º  que diz “a critério” ou “a interesse da administração”.

A situação mais estranha, entretanto, é que o DDI/UFS não tem realizado concurso na última década que não seja para doutores. Assim, o requerente, que é mestre, não se inscreveu em 2017 ou 2019.

Aqui, abro um parêntese. Faz mais de 10 anos que o professor de Contábeis solicitou afastamento para se doutorar na Argentina. Em 2015, a UFS publicou a Portaria 703, de 23 de abril, fixando prazo para o docente terminar seu doutoramento, algo que ainda não ocorreu - o que ocasionou processo para a devolução dos valores recebidos durante o afastamento.

Ora, se o DDI/UFS tem cumprido rigorosamente a lei federal do ingresso de doutores, tanto nos concursos como nos editais de remoção, por que motivo o docente de Itabaiana insiste que ele teria direito sobre a vaga mesmo sem ser doutor?

O procurador da UFS não viu ilegalidade nos procedimentos do DDI. A relatora do caso também argumentou em favor da nomeação do candidato aprovado em concurso, mas no momento da votação a maioria dos conselheiros, que antes votaram pela nomeação, optaram por atender ao pedido do professor Uziel Santana e solicitar abertura de edital de remoção. Foram 11 votos a 5.      

O professor mestre Uziel Santana é presidente nacional de uma associação de juristas evangélicos. Combateu ferozmente em 2007, em jornais locais, o Projeto de Lei que tornaria crime, em 2019, a homofobia: “A questão temática: “homofobia ou heterofobia?” Porque, conforme veremos, nos termos do Projeto, os heterossexuais é que passarão a ter medo do que pode acontecer com eles caso, por exemplo, insurjam-se contra um professor que, por ser homossexual, está ensinando na escola fundamental que o filhinho é livre para escolher ser homossexual ou heterossexual, independentemente da educação de seus pais.” (Correio de Sergipe, 16.06.2007).  

Resumindo: se o DDI/UFS convocou o candidato do concurso, por unanimidade, e recebeu parecer positivo do procurador da UFS e da relatora do processo, sabe que não há justificativa para abrir um edital para mestre, sob pena de favorecimento ao requerente, qual seria, então, o motivo para que não se confirme imediatamente a nomeação do candidato aprovado em concurso com todos os requisitos exigidos?

Esperar que o professor Uziel, após 10 anos, finalmente, conclua seu doutorado? Ou ganhar tempo para que o prazo do concurso do professor Ilzver expire?

É preciso destacar aqui que se trata de candidato negro, candomblecista, estudioso dos direitos humanos e das religiões de matriz africana? Certamente, os 11 votos pelo requerimento do professor Uziel têm algo a explicar à sociedade sergipana e à comunidade acadêmica.

[*] É técnica em Educação da UFS e ex-membro do Colegiado da Leitura - CNPQ/MinC. 

 

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