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Opinião - Adeus, Elza Soares, nossa majestosa boca santa!

[*] Miza Tâmara

O dia é 5 de fevereiro e o ano é 2010. Eu era estagiária do núcleo de jornalismo da Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Aracaju e estava servindo na noite de shows do extinto Projeto Verão da Prefeitura da capital.

Na pauta, uma entrevista com ninguém menos do que Elza Soares. Tremi assim que li o nome dela e que me dei conta daquela minha tarefa de foca. Não podia ser diferente: tive medo.

Aquela mulher tão imponente, sem papas na língua, vai perceber minha insegurança e me massacrar, pensei! Quando entrei no seu camarim, me surpreendi ao perceber que ela já não podia caminhar. Nunca tinha me dado conta disso na TV.

Me aproximei dela e a barriga gelou. As mãos, antes trêmulas, agora também suavam. Me coloquei ao lado daquela figura que, ali sentada, tinha ares majestosos. Quase travei.

Mas antes mesmo de lhe fazer minha primeira pergunta, fui cativada por sua dulcíssima receptividade ao olhar para mim, elogiar meu esmalte cor de lavanda e nada comentar sobre minhas mãos sambando ao segurar a pauta.

Elza Soares tocou-me as mãos, elogiou meu cabelo, me deu segurança e, pronto, a entrevista rolou suave. Lembro do quanto me senti feliz e satisfeita ao sair dali. Senti que naquele camarim entrou uma Miza e saiu outra, transformada. Acolhimento é tudo.

Lembro de ficar no backstage durante a apresentação de Elza porque eu tinha outras atrações para entrevistar, mas também para saber como seria o show daquela musa para quem muitos se curvaram musicalmente no Brasil e no mundo.

Elza iria cantar sentada mesmo? Como a levariam ao palco? Como as pessoas reagiriam a uma hora de show com uma artista plantada numa cadeira - afinal, era um show de verão com um público jovem e sedento por agito.

Eu estava ali curiosa e ao mesmo tempo me invadia um sentimento de empatia, de solidariedade e de receio por ela, que me acolheu tão bem. Eu tinha um medo cristão de o público não ser tão generosamente receptivo e acolhedor com ela como ela fora comigo.

As cortinas do palco do Projeto Verão se abriram e lá estava ela, tal qual uma rainha em seu trono. E assim que escancarou aquela santa boca de voz rouca, todas as minhas dúvidas se desmancharam como um castelo de areia sob o vento da Orla da Atalaia, teatro daquele empoderado espetáculo.

Penso hoje: como eu era ingênua, meu Deus! Natural dos 20 e poucos anos querer prever e cercear iminentes ameaças, eu ainda não tinha entendido bem o poder daquela mulher, aparentemente tão frágil, mas que bastava abrir aquela santa boca para a mágica acontecer.

E assim se deu! Assisti boa parte ali, no cantinho do palco, embasbacada com aquela potência de voz, de ser humano e de mulher. E lá em baixo a plateia plena, embebecida com aquele fenômeno. Coisa única de se ouvir com seu timbre tão peculiar, rouco e raro a rasgar os ares daquela noite de verão na Praia da Cinelândia.
Dizem que quem tem boca vaia Roma. Imagina quem possui uma boca santa como a Elza - mais do que ir ao estrelato, nos eleva às estrelas. Nesta quinta-feira, 20, pouco antes de dormir, soube por minha irmã da morte dela. Senti. Mas que lembrança bonita ela me deixou daquele encontro. Essa majestosa boca santa deixou-nos por aqui e foi cantar para as estrelas, aquelas mesmas a que tantas vezes ela nos levou. Que vá em paz, majestosa.

[*] É jornalista profissional há 11 anos e atualmente atua em assessoria de comunicação e marketing digital.