José Roberto: “Sem seguridade social, voltaríamos à barbárie”

Entrevista

Jozailto Lima

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José Roberto: “Sem seguridade social, voltaríamos à barbárie”

Publicado em 6 de abril de 2019, 20h00

"Temos uma clientela a ser respeitada de 33 mil pessoas”


Perde a viagem e a expectativa da formulação quem pensa que José Roberto de Lima Andrade é um cara emburrado, macambúzio, triste ou amargurado por ser ele o condutor, na condição de diretor-presidente, do SergipePrevidência, de uma das instituições sergipanas que mais vazam o Estado com déficit financeiro e orçamentário por ano. São R$ 1,2 bilhão anualmente, num crescendo que vem desde 2008.

Pelo contrário. Há nesse economista uma preocupação com o vazamento dessa dinheirama toda do orçamento do Estado para o SergipePrevidência, sim, mas há também nele uma visão muito justa e social dos serviços prestados pelo órgão que dirige e sobretudo da importância do que ele chama de seus “clientes”.

E não é sem causa esse discurso. Sob o arco de responsabilidade de José Roberto de Lima Andrade estão 33 mil trabalhadores públicos estaduais sergipanos. Sim, trabalhadores públicos - apenasmente parados, inativos, devidamente aposentados, como lhes garantem as leis e as circunstâncias.

“O SergipePrevidência é a unidade gestora das aposentadorias, e temos feito um esforço muito grande para criar, dentro do órgão, um padrão de qualidade de atendimento aos aposentados e pensionistas. O SergipePrevidência deve ser um dos poucos órgãos do Estado que crescem a cada mês - são cerca de 200 pessoas entrando mensalmente nele. São 200 novos clientes. Temos uma clientela a ser respeitada de 33 mil pessoas”, constata José Roberto.

“Estamos construindo um novo modelo de SergipePrevidência, que foi muito bem nutrido pelas gestões anteriores, no sentido da presteza, da agilidade e da correção da concessão, para um modelo onde a gente também se relacione com o aposentado e pensionista. Temos planos de um coral de aposentados, aulas de dança. Mas por que isso? Porque eles são nossos clientes e a gente tem que começar a ter uma relação diferente, de viver com eles o restante da vida deles. Essa é uma visão moderna”, diz.

Mas também não pense que José Roberto é blasé, um cabeça nas nuvens, que ache que a situação do SergipePrevidência está boa e que deva permanecer assim. Jamais. Para ele, é gravíssimo que se tenha hoje 31 mil trabalhadores da ativa atuando para sustentar 33 mil aposentados. Isso é uma inversão plena de valores e de necessidades.

“Quando temos uma relação de 0,9 de ativos com relação aos inativos, tendendo a diminuir mais, porque a velocidade de aposentadorias é muito maior do que a de entradas, isso já é uma bola de neve”, diz ele. José Roberto de Lima Andrade não tem dúvida do número ideal de gente atuando para irrigar o custo dos parados.

“Eu creio que em torno de três. O modelo de repartição é baseado na premissa de que os ativos bancam as aposentadorias dos inativos. Como temos 13% de contribuição do servidor e 26% patronal, isso dá 39%. Se todo mundo ganhasse o mesmo salário, precisaríamos de duas ou três pessoas para pagar a um aposentado. Então, essa é uma conta simples. Mas nesse modelo, quando saímos da razão de três para um por um, já começa a ter problemas de déficit de uma forma geral”, diz. É uma verdade absoluta.

Nesta EntrevistaJosé Roberto de Lima Andrade vai falar da preocupação que sente quando o Governo Federal tende a desaquecer na reforma da Previdência Geral a importância da seguridade social. “Eu acho que a Previdência, o regime geral, é mal apresentada, porque se mistura seguridade e previdência. E acho que os governos pecam em não separar uma coisa da outra”, diz ele.

“Sem seguridade social, voltaríamos à barbárie, que já não existe desde o início do Século XX. A Previdência surgiu na Alemanha, com Otto von Bismarck, num momento de crise, porque as pessoas estavam morrendo de fome. Então veja que a seguridade é uma função do Estado”, diz ele.

Assinatura do Termo de Adesão dos Poderes a Previdência Complementar de Sergipe
Está prestes fazer 50 anos - nasceu no dia 6 de junho de 1969.

DAS PECULIARIDADES DA PREVIDÊNCIA SERGIPANA
“A peculiaridade daqui é que muita gente entrou no setor público no final dos anos 80, nos famosos trens da alegria, e toda essa massa de trabalhadores está se aposentando agora nos seus períodos normais”

JLPolítica - Há que se culpar alguém?
JRLA -
Eu não trabalho olhando para trás. Eu sempre digo que o debate da Previdência deve ser feito olhando para a frente e para um grande horizonte. Quando há 30 anos nós colocamos um número absurdo de servidores, era de se esperar que eles fossem se aposentar um dia. E esse dia chegou.

JLPolítica – Essas desproporção ativo X inativo revela que Sergipe está deixando de fazer concursos e de oxigenar a máquina com novos trabalhadores públicos?
JRLA –
Não. Na verdade, Sergipe tem uma quantidade de empregos condizente com a situação da gestão pública dele hoje. Por exemplo: não se faz mais concursos para datilógrafos, motoristas, vigilantes. Então, existe uma redução estrutural do emprego no setor público, como existe na economia como um todo. O Estado de Sergipe tem mantido o número de empregos mais ou menos estável em algumas áreas, como educação, segurança pública, saúde. Então, ele não deixou de fazer concursos. Ele reduziu o número de concursos para funções que já não existem mais. Outro exemplo são os auditores fiscais: eles entraram com cerca de 400 profissionais da área de uma só vez. Será que hoje, pelas próprias características de arrecadação, o Estado vai precisar de 400 novos auditores? Eu diria que não. Pelo menos não na mesma quantidade que foi colocada há 30 anos.

JLPolítica - Quando é que a Previdência em Sergipe começa a degringolar e a perder a proporcionalidade entre ativos e inativos?
JRLA
- Em 2008 já tínhamos uma relação de 2,5. A partir daí, começamos a entrar na curva descendente. Alguém pode dizer que foi culpa de A, B ou C, mas minha interpretação é a de que, independentemente dos atos, reajustes foram dados. Independentemente de algumas categorias terem reajuste ou não, nós teríamos, naturalmente, esse grupo de pessoas se aposentando em meados de 2015, 2017, porque o direito delas começou a ocorrer a gora. Não é o reajuste - é o direito delas, do tempo. São os 30 anos atrás, que estamos esquecendo de olhar e que geraram, naturalmente, o hoje. Porque ninguém está se aposentando antes do direito. Estamos no período natural, que começou lá no final dos anos 80.

JLPolítica - Contratar cargos em comissão e terceirizados tem que implicação para as receitas do SergipePrevidência? Essas pessoas contribuem ou não?
JRLA
- Essas pessoas contribuem pelo Regime Geral, da Previdência normal. E aí entra uma discussão que é importante esclarecer: há várias propostas de que essas pessoas deveriam contribuir para o sistema próprio, ou seja, para o SergipePrevidência. Mas elas vão se aposentar por onde? Elas vão se aposentar pelo Regime Geral, lógico. A regra a é de que as pessoas contribuam para o sistema pelo qual vão se aposentar, porque se não nós teríamos que repassar para o INSS o valor que foi arrecadado. É uma discussão, essa de vir pelo SergipePrevidência que, em princípio, parece apresentar uma ideia interessante, mas que no futuro nós teríamos que repassar esse valor. Porque nada garante que ela passe 30 anos como cargo em comissionado no Estado. 

No primeiro Governo Déda. Com Jorge Santana, Luiz Alberto, Oliveira Junior, Lúcia Falcon e Josué Modesto, então reitor da UFS: ano de 2007

DO DESEQUILÍBRIO DA BALANÇA PREVIDENCIÁRIA
“Desde que passamos de uma razão de abaixo de três trabalhadores da ativa para um aposentado, estamos tornando o modelo mais insustentável e deficitário”

 JLPolítica - Onde se pode chegar com a existência de 31 mil trabalhadores na ativa para sustentar 33 mil aposentados?
José Roberto de Lima Andrade -
O resultado disso é que vamos ter cada vez mais um modelo que não vai conseguir pagar as suas contas. Já chegamos a essa dificuldade. Desde que passamos de uma razão de abaixo de três trabalhadores da ativa para um aposentado, estamos tornando o modelo mais insustentável e deficitário. Quando temos uma relação de 0,9 de ativos com relação aos inativos, tendendo a diminuir mais, porque a velocidade de aposentadorias é muito maior do que a de entradas, isso já é uma bola de neve.

JLPolítica - O que o senhor considera ideal no modelo de repartição ativo e inativo? Ou seja, quantos seriam necessários de ativos para sustentar um aposentado?
JRLA
– Eu creio que em torno de três. O modelo de repartição é baseado na premissa de que os ativos bancam as aposentadorias dos inativos. Como temos 13% de contribuição do servidor e 26% patronal, isso dá 39%. Se todo mundo ganhasse o mesmo salário, precisaríamos de duas ou três pessoas para pagar a um aposentado. Então, essa é uma conta simples. Mas nesse modelo, quando saímos da razão de três para um por um, já começa a ter problemas de déficit de uma forma geral.

JLPolítica - Essa proporção sergipana de menos de um na ativa para cada aposentado é uma jabuticaba de Sergipe ou é um padrão nacional?
JRLA -
Não é uma jabuticaba sergipana. Todo modelo de repartição nacional tem essa tendência de ter uma razão cada vez menor. Fora os Estados que eram antigos territórios, todo mundo passa por esse problema, inclusive no regime geral. O problema da Previdência, de ter mais inativos do que ativos, é mundial. Em alguns Estados, esse índice é maior ou menor, mas dos 27 Estados, 24 devem ter uma relação ou igual a um ou menor que um na ativa e no trabalho. Por isso, Sergipe vão tem uma posição exótica.

JLPolítica - Mas qual é a peculiaridade sergipana nisso?
JRLA -
A peculiaridade daqui é que muita gente entrou no setor público no final dos anos 80, nos famosos trens da alegria, e toda essa massa de trabalhadores está se aposentando agora nos seus períodos normais. Na verdade, nós tivemos um desequilíbrio entre entradas e saídas. Entrou muita gente e ela está saindo agora.

Ele com diversas gerações de economistas

DA EVOLUÇÃO NO RITMO DO APORTE
“Se continuar nesse ritmo de crescimento do déficit, o Estado vai continuar tendo que deslocar do seu orçamento recursos para o aporte, e num ritmo cada vez maior. Há 10 anos, o Estado aportava anualmente cerca de R$ 300 milhões, R$ 400 milhões”

JLPolítica - Na sua dupla visão, de homem de Previdência, de sujeito atuarial, e de economista, o senhor acredita que existe um déficit de quanto no setor de Previdência do Brasil?
JRLA -
Eu acho que a Previdência, o regime geral, é mal apresentada, porque se mistura seguridade e previdência. E acho que os governos pecam em não separar uma coisa da outra. Outra coisa importante também é que no Regime Geral há uma ineficiência de arrecadação.

JLPolítica - Qual a diferença entre seguridade e previdência?
JRLA
- Previdência é a garantia de você receber o seu salário na aposentadoria. Seguridade é um benefício social. Existe essa parte assistencial, que é comum em todo lugar do mundo. Porque não se pode deixar uma pessoa morrer porque ela não contribuía. Mas é preciso separar essas duas coisas.

JLPolítica - Nessa linha evolutiva do SergipePrevidência, o senhor teme que um dia não haja recursos para pagar os aposentados?
JRLA -
Não. Não tenho essa visão tão catastrófica do futuro. O que temos que entender é que estamos tirando de uma disputa orçamentária. O que representa um aporte de R$ 1,2 bilhão por ano? Representa algo em torno de 15% do orçamento geral do Estado, que este ano é de R$ 9,9 bilhões. Significa dizer que o Estado tem menos R$ 1,2 bilhão que poderiam estar sendo utilizados em outras coisas e na própria política salarial dos servidores. Por isso, não digo que o problema é a Previdência. Eu digo que a Previdência retira do orçamento uma parcela de recursos que podia estar sendo utilizada de outra forma. O Estado - e o governador deixou isso claro - tem o compromisso de pagar os aposentados e os pensionistas. Tem o compromisso e paga. Pagamos cerca de 45% deles no dia 30. A questão é o quanto vamos estar deslocando do orçamento para pagá-los, deixando de fazer investimentos em infraestrutura e outras áreas. Essa é a discussão.

JLPolítica - Procede a informação do ministro Paulo Guedes de que o Brasil investe 10 vezes mais em Previdência do que na educação brasileira?
JRLA
- Alguns economistas gostam de usar comparações para, muitas vezes, dar importância aos problemas. Por exemplo: eu moro em um condomínio no qual sou o primeiro morador. Hoje já são quatro casas. Então, meu condomínio cresceu 400%? Por isso acho que essas estatísticas, às vezes, são inapropriadas. O que a gente precisa discutir é se vamos ter uma trajetória estável e se vamos ter uma trajetória instável. Crescente ou decrescente desse déficit na Previdência. E quando se fala em Previdência, estamos falando em três: regime geral, regime próprio da União e regimes próprios dos estados e municípios. Cada regime desse encontra-se no Estado diferente de situação, tem um modelo de sustentabilidade ou insustentabilidade próprio, que merece tratamento diferenciado. Eu acho que o governo Bolsonaro incorre no mesmo erro de outras propostas anteriores, que é a de jogar no mesmo bolo coisas que são diferentes.

Apresentando trabalho com o professor Ricardo Lacerda, no Encontro Nacional de Turismo com Base Local, em Campo Grande 2002

QUANDO A CASA COMEÇA A RUIR
“Em 2008 já tínhamos uma relação de 2,5. A partir daí, começamos a entrar na curva descendente. Alguém pode dizer que foi culpa de A, B ou C, mas minha interpretação é a de que teríamos, naturalmente, esse grupo de pessoas se aposentando”

JLPolítica -De quanto é a sua folha de pagamento mensal?
JRLA
- Hoje a folha bruta é em torno de R$ 160 milhões.

JLPolítica - E qual é a receita mensal do SergipePrevidência?
JRLA
– É de R$ 60 milhões. Então, na linguagem técnica, temos um aporte de R$ 100 milhões, e na prática temos o déficit.

JLPolítica - Nessa linha evolutiva, pode se chegar um dia em que não haja recursos para pagar aposentados?
JRLA -
Se continuar nesse ritmo de crescimento do déficit, o Estado vai continuar tendo que deslocar do seu orçamento recursos para o aporte, e num ritmo cada vez maior. Há 10 anos, o Estado aportava anualmente cerca de R$ 300 milhões, R$ 400 milhões. Hoje, são R$ 1,2 bilhão. Esse ritmo, que é crescente, é que torna isso insustentável. O que a gente está discutindo não é o déficit da Previdência em si, e sim a trajetória explosiva desse déficit.

JLPolítica - Há uma ferida aberta. Como cauterizá-la?
JRLA
- Eu acho que a reforma da Previdência tem que ser feita por dentro. O sistema de repartição implica solidariedade entre os participantes. Não tem como fugir da reforma sem que os participantes ajudem a reduzir esse déficit. Acho que ela deve atingir quem está na ativa, mas também quem já está inativo. Porque se eu só tributar quem está na ativa, significa um percentual muito alto do ponto de vista prático. Agora, nós vamos ter que com acionar todo o déficit? No meu ponto de vista, seria um ajuste brutal. Nós não vamos resolver R$ 1,2 bilhão de déficit, porque isso implicaria arrecadar um percentual gigantesco com os salários. Mas precisamos fazer um esforço para equacionar e assim esse déficit ser sustentável. Tem muita discussão sobre a capitalização da Previdência, eu particularmente acho que isso é necessário. Mas a capitalização implica em esperar por uma receita que virá no futuro e que nós não temos garantias de que ela realmente virá.

Formatura de Economia UFS (1992). Ricardo Lacerda e Josué, professores do Departamento de .Economia

É PRECISO RESPEITAR A SEGURIDADE SOCIAL
“A Previdência, o regime geral, é mal apresentada. Se mistura seguridade e previdência. Os governos pecam em não separar. Seguridade é um benefício social. Não se pode deixar uma pessoa morrer porque ela não contribuía”

JLPolítica – Mas o que há de erro e o que há de acerto na proposta da reforma da Previdência do Governo Federal?
JRLA
- Discutir idade mínima, tempo mínimo de contribuição e alternativas para equacionamento do déficit dos regimes próprios são um avanço para a reforma. Agora, discutir valores de Benefício de Prestação Continuada - BPC - é afetar uma parcela da população que é de uma fragilidade social imensa e que impactaria bastante. Isso é um erro, porque estamos entrando mais na questão da seguridade do que na da Previdência. Outra questão é a tentativa de tirar da Constituição questões da Previdência. Isso é entrar num liberalismo radical que não cabe no Brasil dos tempos de hoje, mesmo que a gente discuta o tamanho do Estado. E a terceira questão é a do modelo de capitalização. No termo que foi colocado, a experiência internacional mostrou não satisfatória.

JLPolítica - Qual é a diferença entre contribuição complementar, que o senhor defende, e a captação, que o ministro Paulo Guedes subscreve?
JRLA
– Aí, sim, sim temos a jabuticaba. O que o ministro está propondo é uma redução do custo do trabalho. Quando ele diz que é capitalização, é um empresário que contrata alguém e que tem que pagar 20% de contribuição ao INSS. Na proposta de Paulo Guedes, esse empresário não paga os 20% e o cidadão se vire para fazer uma previdência complementar. Uma capitalização sem os 20%. Ele está tirando a responsabilidade da empresa e colocando exclusivamente no cidadão, no pressuposto de que reduzindo o custo do trabalho vai empregar mais. Essa é a tentativa de fazer política econômica reduzindo o custo do trabalho e pressupondo que com isso vai aumentar as contratações. Eu, particularmente, acho que essa relação não é tão automática assim. Nada garante que o fato de ter um custo de trabalho menor vai levar a contratar mais. Segundo, se o seu contratado deixar de trabalhar, ele não vai capitalizar e vai chegar ao final da vida com um valor capitalizado insuficiente para complementar e manter a aposentadoria dele. Então, o Estado está dizendo que não pode gastar agora, mas poderá gastar depois. Eu não sei em que ponto isso é inteligente. Não acredito que a redução do custo trabalhista vai implicar necessária e automaticamente na oferta de emprego. Acho que a gente pode até ter uma precarização de trabalho no aspecto das garantias, e inclusive de valor de salários sem ter mais empregos. Essa automaticidade pode não ocorrer.

JLPolítica - O senhor não considera que há classes de trabalhadores, no aparelho do Estado, que se aposentam muito cedo? Qual o dano disso?
JRLA -
Sim. Nós, ativos, pagamos os inativos. E entendo que alguém se aposentar com 50 anos é algo que não ocorre em nenhum outro lugar do mundo. É danoso, porque o fato de a pessoa se aposentar com essa idade e viver por pelo mais 30 anos requer que eu tenha um número de ativos pagando essa aposentadoria. A pessoa geralmente diz: “eu contribui para a minha aposentadoria”. Mas é importante esclarecer: você não contribuiu para a sua aposentadoria e sim para a aposentadoria da massa de inativos, e você vai precisar que outras pessoas contribuam. É um sistema solidário. O que acontece quando alguém se aposenta com 50 anos é que essa pessoa contribui por 30 anos, e só. Se você contribuir com 40%, só poderia receber por um terço a mais. Mas não é assim que funciona. E tem outra coisa: a pensão. Normalmente, um homem que morre antes do que as mulheres deixa uma pensionista. Se ela viver mais 10 anos, vai usar o mesmo valor. Então, eu contribui com 30, mas estou desembolsando para 40 anos, 50 anos. É uma lógica matemática ruim, que não e encaixa.  

JLPolítica - Uma Previdência tem que superavitária ou produzir apenas para não gerar déficit?
JRLA
- Uma Previdência tem que ser sustentável. Ela tem que ter um equilíbrio entre despesas e receitas, sob a possibilidade de eu ter que arrecadar recursos de outro lugar. Acho que o brasileiro está começando a entender o que é economia, porque até então a gente achava que o Estado precisava de uma quantia, apertava um botão e ela aparecia. Mas economia é ter recursos escassos e demandas superiores a esses recursos. Ou seja, é administrar problemas. E de uma forma que você crie condições para que alternativas de crescimento ocorram em situações cada vez mais desfavoráveis. Então, eu acho que o país não tem condições de manter mais aposentadorias com idades muito baixas. Se um dia nós pudemos manter isso, hoje a gente já não consegue mais.

Encontro Nacional dos Cursos de Graduação de Economia (UFS 2001). Na foto, Ricardo Lacerda e Nilton Pedro

É RUIM MISTURAR SEGURIDADE COM PREVIDÊNCIA
“Discutir valores de Benefício de Prestação Continuada - BPC - é afetar uma parcela da população que é de uma fragilidade social imensa e que impactaria bastante. Isso é um erro”

JLPolítica - Que alívio traria ao SergipePrevidência se os poderes Judiciário e Legislativo, e o Tribunal de Contas, assumissem suas próprias previdências?
JRLA
– Reduziríamos em torno de 10% do déficit, porque o déficit dos Poderes em relação ao déficit geral é em torno desse percentual. É importante, e até legal, porque estamos falando de tirar do Executivo a responsabilidade exclusiva do esforço. Se formos falar em R$ 100 milhões de déficit, o governo poderia ter esse valor em um ano para investir.

JLPolítica - Seria leigo pensar que não alteraria em nada pelo fato de o dinheiro vir da mesma matriz do Executivo?
JRLA
- Não é por aí, porque estamos falando de orçamentos. A receita é a mesma, mas os orçamentos são diferentes. 

JLPolítica - Deixa-lhe triste, ou lhe incomoda, gerir um negócio que gera um rombo anual de R$ 100 milhões no casco da matriz?
JRLA
- Não, de forma alguma. Existem duas coisas diferentes aqui: o SergipePrevidência é a unidade gestora das aposentadorias, e temos feito um esforço muito grande para criar, dentro do órgão, um padrão de qualidade de atendimento aos aposentados e pensionistas. O SergipePrevidência deve ser um dos poucos órgãos do Estado que crescem a cada mês - são cerca de 200 pessoas entrando mensalmente nele. São 200 novos clientes. Temos uma clientela a ser respeitada de 33 mil pessoas. Costumo sempre dizer isso que a pessoa quando se aposenta a relação dela com o Estado não acaba. As demais pessoas têm uma visão de que acaba. Mas não é assim. Ela continua tendo essa relação. Às vezes, até, por mais tempo do que quando estava na ativa. Para além dos pagamentos dos benefícios de aposentadorias e pensões, temos que ter uma relação de qualidade de atendimento, porque ele continua sendo um servidor. Só que não está na ativa. Inclusive, vamos mudar agora para o prédio do Palácio Serigy. Estamos construindo um novo modelo de SergipePrevidência, que foi muito bem nutrido pelas gestões anteriores, no sentido da presteza, da agilidade e da correção da concessão, para um modelo onde a gente também se relacione com o aposentado e pensionista. Por exemplo: temos planos de um coral de aposentados, aulas de dança. Mas por que isso? Porque eles são nossos clientes e a gente tem que começar a ter uma relação diferente, de viver com eles o restante da vida deles. Essa é uma visão moderna.

JLPolítica - Deixando o gestor da Previdência de lado, o que é que o economista aponta para o futuro econômico do Brasil sob Jair Bolsonaro?
JRLA
- Eu acho que a gente tem uma grande incerteza entre o que o ministro Paulo Guedes quer, o que o presidente Bolsonaro quer e a possibilidade dessas coisas serem executadas.

Encontro Nacional de Estudantes de Economia na UFS (2004). A época, era chefe do Departamento de Economia

ZELO PELOS QUE ENTRAM NA APOSENTADORIA
“O SergipePrevidência deve ser um dos poucos órgãos do Estado que crescem a cada mês - são cerca de 200 pessoas entrando mensalmente nele. São nossos clientes e a gente tem que ter uma relação diferente”

JLPolítica – O Governo Jair Bolsonaro se perde em que?
JRLA
- Acho que o governo está se perdendo na política, que é onde se constrói soluções e saídas - a menos que a gente queira viver numa ditadura. Eu acho que esse “construir da política” está sendo desprezado e esse desprezo implica talvez na frustração do projeto. Então, na verdade, isso pode implicar em uma perspectiva que não seja realista de execução. Por exemplo, esse R$ 1 trilhão de economia com a reforma da Previdência Geral com certeza não se materializará, porque nós esquecemos de combinar com o Congresso se vamos poder fazer andar as ideias em favor de desse R$ 1 trilhão.

JLPolítica – O Governo precisa fazer o quê?
JRLA
- Na verdade, o governo precisa avançar no campo da política para construir as condições para que o Brasil retome o crescimento. Eu não sou um economista estritamente liberal, até porque não acredito no ateu e no liberal, para mim são inatingíveis, então a reforma tem que avançar, mas a partir do momento que você começa a criar categorias especiais, joga por baixo o discurso do liberalismo.

JLPolítica - O senhor se refere aos militares?
JRLA
- Também. Mas a qualquer categoria muito especial. A gente tem que separar especial e seguridade social.

JLPolítica – O senhor não abre mão da seguridade social.
JRLA
- Não, porque sem seguridade social voltaríamos à barbárie, que já não existe desde o início do Século XX. A Previdência surgiu na Alemanha, com Otto von Bismarck, num momento de crise, porque as pessoas estavam morrendo de fome. Então veja que a seguridade é uma função do Estado.

Ele é pai de Gabriela Andrade, de 14 anos, e de Luiza Andrade, de 12, e marido de Simone Falcão de Lima Andrade

DOS DESCOMPASSOS DO GOVERNO DE BOLSONARO
“Acho que o governo está se perdendo na política, que é onde se constrói soluções e saídas - a menos que a gente queira viver numa ditadura. Esse “construir da política” está sendo desprezado”

JLPolítica – Deixando as uvas e a raposa de lado, o que significa para o senhor o Projeto Amigos do Judô?
JRLA
-O Projeto Amigos do Judô é um complemento da minha vida. Eu sou um amante, um aficionado pelas artes marciais, sou um professor, e acho que educação é por onde se dará a grande mudança do país e das pessoas. E não se trata de um discurso piegas, porque para mim ela se dará de várias formas, dentro e fora da escola, em casa, na família...

JLPolítica – Quem é a clientela desse seu Projeto?
JRLA
- São crianças e adolescentes da área do Mosqueiro. Embora seja um projeto que já existe no Estado inteiro, há vários locais de treinamento e cerca de 600 pessoas atendidas. Queria aproveitar e dizer que tenho nele a direita, a esquerda e liberalistas contribuindo - pessoas físicas e jurídicas que me dão muito orgulho em trabalhar com essa complementação da educação. Os jovens pagam R$ 15 por mês.

Judoca, ainda encontra tempo para a filantropia, através Projeto Amigos do Judô
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