Reportagem Especial

Tatianne Santos Melo

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AONDE CHEGAREMOS ASSIM PARADOS?

AQUELES 15 MINUTINHOS
Você já deve ter percebido que as distâncias em Aracaju parecem ter aumentado significativamente. Que aqueles 15 minutinhos para ir de um ponto a outro da cidade se multiplicaram e que, em horários de pico, essa locomoção é uma coisa quase impossível por causa dos frequentes congestionamentos.

“Para ir para o curso, preciso sair muito cedo de casa, pois moro na Aruana e tenho que pegar dois ônibus para ir e mais dois para voltar. Além de não ter horário certinho, o percurso é sempre com engarrafamentos”, conta o estudante Gabriel Santos da Silveira.

A jornalista Ana Paula Ferreira acredita que, para se ter, de fato, alguma melhora substancial no trânsito é preciso planejamento. “Como motorista, acredito que as decisões precisam ser a longo prazo, projetadas para dez anos ou mais. Não adianta resolver o problema do retorno da esquina, se lá na frente vai engarrafar. Além disso, tem que se investir em transporte público”, opina Ana Paula.

Publicado 18 de junho 20h00 - 2017

Edvaldo Nogueira: decisões lentas: em seus meses de Governo

PASSADO X PRESENTE

Edvaldo disse apenas que, quando foi prefeito anteriormente, Aracaju conquistou o título de cidade da qualidade de vida, sendo a mobilidade um dos pontos determinantes, e garantiu ter planos para esse novo mandato.

“Agora, dentro do projeto de reconstrução de Aracaju, iremos trabalhar para que a nossa cidade volte a ter mais mobilidade urbana. Inclusive, estamos realizando a adequação do projeto que deixamos na Prefeitura, com valor de R$ 130 milhões, e que não foi desenvolvido pela gestão passada. Isso é fundamental para que o cidadão tenha qualidade de vida”, afirma Edvaldo.

Além disso, o prefeito assegura que, até o próximo ano, a licitação do transporte público será realizada. “Incluindo as quatro cidades da região metropolitana, uma vez que já existe um consórcio que permite esta medida”, ressalta.

Vale lembrar que a Prefeitura de Aracaju decidiu abortar o BRT (Bus Rapid Transit), projeto iniciado pela gestão passada como a solução dos problemas de trânsito da capital. “BRT não cabe na cidade”, disse Aristóteles Fernandes, gestor da Superintendência de Transporte e Trânsito – SMTT.

LEGISLAÇÃO

E por falar em gestão passada, também entrevistado por este Portal, José Carlos Machado, ex-vice-prefeito de Aracaju, disse que, durante o mandato para o qual João Alves foi eleito não foi possível realizar a licitação do transporte público porque a legislação só foi apresentada pelo Governo do Estado ao final dos quatro anos.

“As coisas não andaram no ritmo que ele (João Alves) gostaria. Se pensava em fazer uma licitação para o transporte envolvendo só o município de Aracaju, mas quando envolve outros municípios não podia ser só responsabilidade de um gestor. Tinha que haver consentimento por parte do Governo do Estado, através de uma lei que só foi aprovada nos últimos instantes da administração de João Alves”, argumentou Machado.

Procurado pelo JLPolítica, o Governo do Estado não respondeu aos questionamentos do JLPolítica. Mas, segundo notícias veiculadas pela Agência Reguladora de Sergipe – Agrese -, o projeto de lei, de autoria do Poder Executivo, que trata do transporte intermunicipal, transfere a responsabilidade de fiscalização e de regulamentação do sistema da Secretaria de Infraestrutura (Seinfra) para a agência.

FAIXAS EXCLUSIVAS PARA ÔNIBUS SÃO UM GANHO PARA A COMUNIDADE

“É um projeto importante do Governo, porque dinamiza a máquina, dá mais mobilidade e agilidade nas questões relacionadas ao transporte intermunicipal”, enfatiza o diretor presidente da Agrese, Luiz Hamilton Santana de Oliveira.

Uma das competências da Agência Reguladora é tratar das questões relacionadas às concessões de serviços públicos, como é o caso do transporte intermunicipal de passageiros. Assim sendo, caberá à Agrese regular, fiscalizar e tratar de toda a parte operacional desse serviço concedido.

Atualmente, segundo Alberto Almeida, diretor do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Município de Aracaju – Setransp –, a região metropolitana tem cerca de 230 mil passageiros que utilizam diariamente o transporte público.

Com base em dados de nível nacional, 70% da população se locomovem com o ônibus coletivo. No entanto, esse modal utiliza apenas 25% das vias. Enquanto isso, os veículos individuais, de posse de 30% da população, fazem uso de 75% das vias. É uma conta, no mínimo, bem desproporcional.

PRIORIDADE

“Esse quadro já demonstra que a distribuição justa das vias públicas não acontece, principalmente se formos ao âmbito do que prevê a Lei de Política Nacional de Mobilidade (Lei 12.587, de 3 de janeiro de 2012), sobre a garantia da prioridade ao transporte da maioria da população – o ônibus coletivo”, diz Alberto Almeida.

“Na Grande Aracaju, composta pela Capital e mais Nossa Senhora Socorro, Barra dos Coqueiros e São Cristóvão, existem 376.568 veículos emplacados e este volume vem aumentando a cada ano, contribuindo para com os engarrafamentos e, consequentemente, para a diminuição da velocidade média dos ônibus”, completa Alberto Almeida.

O diretor ressalta que essa Lei de Mobilidade destaca a prioridade do transporte público coletivo sobre o individual motorizado como uma conquista histórica da sociedade pela redemocratização do uso dos espaços públicos.

“Todavia, na capital sergipana, após longos anos de reclames quanto à mobilidade, vimos o início da prioridade ao coletivo, com a implantação de faixas exclusivas e prioritárias, mesmo diante de algumas reclamações vindas daqueles que utilizam o veículo individual”, afirma.

“Priorizar a circulação do ônibus na via urbana significa viagens mais rápidas, confortáveis e seguras, estimula o proprietário do automóvel a migrar para o transporte público e reduz custos ambientais, sociais e econômicos. Significa melhorar a qualidade de vida”, reforça Alberto.

Num conjunto de quatro cidades com 376.568 veículos emplacados, ônibus boiam na prioridade

MAIS DE 600 ÔNIBUS ATUAM NA CIDADE, MAS FALTA CALÇADA PARA PEDESTRES

Na tentativa de fazer da mobilidade uma realidade, três grupos atuam no segmento, somando sete empresas: Atalaia, Progresso, Tropical, Paraíso, Modelo, Halley e Capital. “Estas empresas atuam com a frota total de 601 carros”, revela Alberto. Mas, para ele, é preciso pensar o transporte público como um todo, do deslocamento da população, considerando a partida de sua casa ou do trabalho, até seu destino.

“Dessa forma, para se ter mobilidade, é preciso ter calçadas adequadas, inclusive com acessibilidade. Os terminais de integração devem estar com suas plataformas livres para a circulação dos usuários, seguindo pela distribuição viária justa dando prioridade aos ônibus que transportam 70% da população no acesso aos outros serviços essenciais (trabalho, lazer, saúde, educação, etc)”, pontua.

Quanto ao processo licitatório, Alberto afirma que, além de obrigatório por lei, ele também é necessário para a melhoria de qualquer sistema de transporte público de passageiros, porque promove a formalização da relação dos envolvidos no sistema, criando direitos e responsabilidade a todas.

“Com a licitação, vem a reavaliação da rede de transporte, adequando o serviço à necessidade atual da população, o estabelecimento de padrões de qualidade de serviço, capacidade e característica dos equipamentos (ônibus, terminais, garagens, etc.), formas de custeio do sistema, e demais regras e definições”, ressalta.

São 601 ônibus que transportam 70% da população no acesso a trabalho, lazer, saúde, educação

INVESTIMENTO

Segundo Alberto, as empresas têm investido na renovação da frota, com veículos de ponta que acompanham as evoluções nacionais, e tem atuado em todas as regiões das quatro cidades da Grande Aracaju, com base na distribuição de linhas feita pelo órgão gestor, inclusive com a adequação de veículos para atender a áreas sem a mínima estrutura para o tráfego de veículos, como alguns povoados.

“Têm investido, também, na capacitação para a qualidade no atendimento dos trabalhadores rodoviários e em tecnologias embarcadas, tais como: monitoramento GPS; aplicativos com serviço de itinerário, pontos e horários de paradas dos ônibus; câmeras de segurança e a comunicação em tempo hábil com a segurança pública; sistema de redução de poluentes e de segurança para portas dos veículos”, afirma.

Ele garante que, para um serviço cada vez melhor, é essencial que poder público e iniciativa privada caminhem juntos. E que isso tem acontecido em Sergipe. “A criação do consórcio da Grande Aracaju, que garantirá a integração entre as quatro cidades e pensa em melhorias para a mobilidade conjunta, é um grande exemplo. Precisamos que haja avanço nessas e outras tratativas, pensando, sobretudo nos passageiros de ônibus que representam a maioria da população”, propõe.

Fonte Setransp

MOBILIDADE FICA APENAS NO DISCURSO

No entanto, o que se vê é que, no caminho da mobilidade, Sergipe tem muito o que percorrer ainda, como analisa o professor e arquiteto e urbanista Ricardo Mascarello, ex-coordenador do Curso de Arquitetura da Universidade Tiradentes – Unit.

“O tema da mobilidade urbana tem sido pauta de reflexões há vários anos nas cidades brasileiras. Em Aracaju, esta problemática já completa uma década de discussões, consequência do aumento da frota de veículos particulares (carros e motocicletas), dos péssimos serviços de transporte coletivo, da falta de planejamento profundo e sério por parte dos gestores públicos e, essencialmente, pelo modelo espacial adotado devido à priorização do sistema viário da cidade para o uso do automóvel particular”, analisa Ricardo.

De acordo com Ricardo Mascarello, nesses dez anos de discussão, nada tem sido feito na prática. “Entende-se que o ato de deslocamento no meio urbano é fundamental para a rotina diária do funcionamento da cidade, pois o ir e vir é fator determinante para a cidade se perpetuar. As esperas nos pontos de ônibus, a lentidão do transporte coletivo, os engarrafamentos, os tempos de percurso, os conflitos entre os distintos modais e a péssima caminhabilidade nas calçadas tem sido as consequências para o declínio na qualidade de vida dos cidadãos”, ressalta.

Para Ricardo, a mobilidade urbana também está ligada diretamente à forma de uso e ocupação do solo e, para ele, Aracaju é uma cidade emblemática nesse sentido, com a ausência de cuidados com o planejamento urbano referente ao uso e ocupação do solo e adensamento populacional.

“A segregação urbana dos conjuntos periféricos e os altos coeficientes de aproveitamento configuraram uma cidade desproporcional e insustentável do ponto de vista ocupação X mobilidade. Aracaju configurou-se em uma trama urbana de seu tecido e tem uma malha com sérios problemas de permeabilidade urbana e conectividade”, diz.

 PREJUÍZOS

“Esta falta de planejamento urbano e essa permissividade tanto dos gestores quanto do Plano Diretor desencadearam, já historicamente, uma Aracaju espraiada horizontalmente e com uma malha viária desproporcional e desconecta. Há um destaque claro para a segregação urbana e tecidos com significativas rupturas”, continua Mascarello.

E isso se dá, na opinião dele, porque “os gestores públicos definitivamente não possuem coragem para encarar uma alteração real no modelo espacial da cidade e sua sistemática”. “Não entenderam que para uma mudança se proceder é necessário a quebra de paradigma de toda a sistemática e sua tipologia morfológica”, diz.

Por isso, Ricardo acredita que a principal ação dos gestores públicos seria a de encarar essa quebra do paradigma sistêmico e, definitivamente, elaborar um planejamento para todo o sistema viário, sem a necessidade de obras faraônicas de viadutos e BRTs.

“Direcionar uma hierarquização da malha viária para ordenação dos modais com prioridades para cada qual: o pedestre, a bicicleta, o transporte coletivo e os veículos motores particulares. Um plano que priorize os modais em determinadas vias da cidade, com atenção especial ao transporte coletivo e aos pedestres e ciclistas”, sugere.

PÚBLICO E PRIVADO

Mas, apesar de todos esses empecilhos técnicos, para Ricardo Mascarello, o principal ingrediente é a coragem dos gestores – ou a fata dela -, ao lado do poder da população.

“Organizando frentes com equipes de trabalho interdisciplinares, constituídas por técnicos, dentro da visualização de planejamento e hierarquização do sistema, além de uma aproximação efetiva da sociedade. Sem estes dois fatores e vontade política e coragem, a cidade a cada dia terá sua qualidade de vida declinada”, destaca.

E é isso que vem acontecendo. O posto de Capital da Qualidade de Vida, por exemplo, já foi perdido. Resta saber até quando os políticos continuarão a perpetuar o hábito de prometer e não cumprir e de esquecer o que, de fato, é relevante para a sociedade e, portanto, deve ser encarado como política pública.

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