Reportagem Especial

Tatianne Santos Melo

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Emsurb quer choque de mudanças nas feiras livres de Aracaju

Para isso, faz licitação, reduz de 32 para 25 feiras, mas enfrenta oposição: Bertulino Menezes, um dos oito empresário do setor de montagem de barracas, diz que, “por conveniência, comodismo e facilidade”, há retrocesso de 22 anos no modelo buscado  

De terça a domingo, tem feira livre em Aracaju. Em todas as regiões da cidade, 4.500 feirantes disponibilizam seus produtos nessas 32 feiras da capital, de onde saem produtos direto para as despensas de outros milhares de famílias. Por trás desses números, há toda uma logística que pouca gente conhece, uma organização que está passando, nos últimos meses, por uma série de mudanças.

O objetivo dessas mudanças é o de tornar as feiras livres mais higiênicas, legais e transparentes. Segundo Luiz Roberto Dantas de Santana, presidente da Empresa de Serviços Urbanos – Emsurb – de Aracaju –, desde o início da gestão do prefeito Edvaldo Nogueira, PCdoB, em janeiro de 2017, esse processo vem sendo conduzido.

“Então, a Emsurb iniciou a reorganização das feiras, com um novo formato, bancas e saias novas, corredores mais largos, atendendo a um clamor dos consumidores e dos feirantes”, afirma Luiz Roberto. Segundo ele, essas novas exigências estão diretamente relacionadas à comercialização de produtos de origem animal, principalmente no tocante à refrigeração.

Equipes da Emsurb estão frequentemente nas feiras para fiscalizar o cumprimento das adequações
Luiz Roberto: “a licitação decidirá quem irá montar, realizar e desmontar as feiras livres em Aracaju”

RETROCESSO

Outra ponderação que Bertulino Menezes faz acerca do processo licitatório é a de que, segundo ele, o edital propõe um retrocesso do modelo atual. “Em 1997 criei, na administração do ex-prefeito João Augusto Gama, o projeto de bancas padronizadas, substituindo as bancas de madeira que ficavam espalhadas pela cidade. Foi um sucesso absoluto na época, mas ficou ultrapassado”, lembra.

Foi quando ele substituiu aquele modelo por outro que, ao invés de barracas de gancho, utiliza toldos. Acontece que o edital, segundo Bertulino, traz de volta essas barracas e exclui quase que por completo os toldos. “A feira defendida hoje usa esse modelo do gancho. Acharam que fica bonito, mas é uma coisa comum, simples”, define.

Esse modelo determina que se passe uma lona de cobertura coletiva para 10 bancas, com 23 metros de cumprimento por 2,70 de largura. “Com isso, o feirante fica exposto ao sol e à chuva. Se chover, tem que se encolher para não se molhar. E a população, que é a razão da feira, fica assim também”, critica Bertulino.

Bertulino Menezes: “um processo dessa magnitude, com feiras do Mosqueiro ao Lamarão, necessitava ouvir as pessoas”

VOCAÇÃO

O ex-vereador Bertulino Menezes é um dos oito empresários que atuam na montagem das feiras de Aracaju e diz que se existir no Brasil uma cidade com um povo vocacionado para a feira como Aracaju, esse lugar nem empataria com a capital sergipana. “O aracajuano vive o prazer de ir à feira livre. E a cidade não está atrasada nesse aspecto. No Augusto Franco, há um mercado muito bonito e higienizado, mas o povo quer a praça”, garante Bertulino Menezes.

Exatamente por isso, Bertulino Menezes entende a necessidade e a importância de a licitação ser realizada. “Sou totalmente a favor da licitação, porque como o nome já diz: é uma coisa lícita. Mas não acredito que com esse modelo haja avanço. É importante, defendo intransigentemente a licitação, a regulamentação, mas da forma como foi elaborada eu acho que está na contramão da história”, opina Bertulino.

Isso porque, segundo Bertulino, a feira livre é uma coisa bastante complexa, que envolve hoje pelo menos 4 mil feirantes e outros milhares de consumidores, que – pasme, segundo Bertulino - não foram ouvidos durante o processo de elaboração. “Esse foi um dos equívocos por parte do município: elaborar um edital complexo sem ouvir as categorias de feirantes e a população consumidora e afetada pelas ruas interditadas, por exemplo”, aponta.

DIÁOLOGO

Isso, de acordo com Bertulino, é bastante grave, porque, segundo ele, o edital deveria ser uma ferramenta para dar mais transparência a todo o processo. “Um processo dessa magnitude, com feiras do Mosqueiro ao Lamarão, necessitava ouvir as pessoas. E quando isso não acontece, comete-se um erro gravíssimo contra a população”, reforça.

Mas não é só isso. Bertulino apresenta outra suposta incoerência do edital da Emsurb: o fato de ele permitir a sublocação dos lotes, mas não especificar o percentual que poderá ser sublocado. Significa que a empresa vencedora da licitação poderá nem administrar efetivamente os lotes que ganhou para administrar. “É aquela pegadinha que vira pegadona. Se qualquer empresa tiver na atividade o gerenciamento de feiras livres pode participar, vencer e nem precisa administrar. É só sublocar depois. Entregar para alguém”, reforça.

“Aí, para determinar o percentual que poderá ser sublocado, você vai ter que ir para a mesa do diretor. Ele vai definir a depender, né. A depender do bom-humor dele, da relação que existe com essa pessoa. Se fosse eu, por exemplo, com o ódio mortal que eles têm de mim, por incompetência e por inveja, me dariam 5% para sublocar”, alega.

Euza Missano: “edital garante à população um ordenamento, um serviço digno, é um avanço social”

COBERTURA

Com os toldos, isso não aconteceria. “Eles cobrem 100% da área onde é realizada a feira. Começamos esse modelo pela feira do Médici e foi um sucesso absoluto. Então, esse modelo que a Emsurb está querendo não é um modelo que, no mínimo, respeite o conforto para a população. E se eles abrissem a discussão, saberiam disso”, diz.

“Mas agora eles defendem, por conveniência, comodismo e facilidade, o mesmo modelo de 1997. Como entender isso? É um retrocesso absoluto. E quero deixar claro aqui que não sou um cidadão leigo no assunto, nem estou tentando politizar o tema, porque quando você faz isso, muda o foco e desrespeita a sociedade”, completa Bertulino.

André Camelô, presidente da Associação dos Feirantes, considera que o problema era exatamente esse: a politização do tema. “Dois grupos políticos disputavam a administração das feiras, um ligado ao ex-governador Jackson Barreto e outro ligado ao ex-senador Antônio Carlos Valadares”, diz. Bertulino é do segundo grupo.

Por isso, para André, a realização do edital já é uma vitória significativa. “As feiras já estão mais limpas, padronizadas e organizadas. E também haverá mais transparência, sem interferência política”, acredita André. Mas isso só será confirmado - ou não - a partir do dia 4 de junho, com a abertura dos envelopes e a divulgação dos vencedores.

Com o processo licitatório, Aracaju deixará de ter as 32 feiras e passará a ter 25

FISCALIZAÇÃO

No lote 4, estão as feiras do Santo Antônio, São Carlos, D. Pedro I e Coqueiral. E lote 5 é composto pelas feiras do Batistão, D. Pedro I, Jabotiana, Agamenon, Lamarão e Jardim Esperança. Vinte feiras já foram reorganizadas.

São as do Batistão, Augusto Franco, Dom Pedro, Escola Técnica, Orlando Dantas, Jabotiana, Castelo Branco, Suíssa, Sol Nascente, Agamenon, Lamarão, Costa Nova, Grageru, Cirurgia, Santo Antônio, 18 do Forte, São Carlos, Coroa do Meio, Bairro América e Bugio.

Para o vereador Thiaguinho Batalha, presidente interino da Câmara de Aracaju, esse movimento de mudança nas feiras atende, também, a um pedido de vários vereadores, que cobravam a organização delas. “A partir de agora, elas serão divididas em cinco lotes por alguns bairros. Esse edital e o projeto são do Poder Executivo, mas o Legislativo também debateu esse assunto”, ressalta Thiaguinho Batalha.

DEBATE

Segundo ele, esse debate foi pautado pela seriedade, entendendo a necessidade do feirante e contemplando a higienização e a organização necessárias. “Lembrando que isso gera arrecadação de um tamanho significativo para o município de Aracaju, além de pensar no lado dos feirantes também”, destaca.

De acordo com Thiaguinho Batalha, a matéria é importante e, por isso, demandava a atenção da Casa, que tem projetos relacionados ao assunto. “Primeiro, precisa de higienização, além de uma boa localização para não atrapalhar trânsito ou mobilidade urbana. No caso das que estão prejudicadas pela falta de espaço, que elas ocupem alguma praça, como no caso do Augusto Franco”, completa Thiaguinho.

O vereador chama a atenção para os benefícios que a reorganização deverá trazer para os feirantes, que, segundo Thiaguinho, “precisam de espaço, localização, higiene e total regulamentação com todos os órgãos competentes para que tudo funcione adequadamente com todas as normas sem prejudicar nada ou ninguém”.

André Camelô: “as bancas eram enferrujadas, as lonas rasgadas, as feiras sem fiscal... uma verdadeira bagunça”

ORGANIZAÇÃO

Atualmente, as feiras livres são montadas – aquelas barracas que recebem os produtos - por oito empresários que possuem um termo de permissão da Emsurb e pagam pelo espaço ocupado por cada feira, cabendo a fiscalização e a limpeza do local à Emsurb, assim como a organização. As associações de feirantes ajudam nesse processo.

Para Luiz Roberto, os principais problemas encontrados nas feiras livres são os locais de realização, a ausência de balcões refrigerados e o número excessivo de feiras – que deve ser corrigido agora. Por isso, ele acredita que a reorganização é importante para, além de atender à necessidade das normas de vigilância sanitária, adequar os espaços à legislação existente.

Com a licitação, as empresas vencedoras não só responderão pela organização dessas feiras, mas também pela adequação do comércio de carnes, laticínios e crustáceos dentro dos padrões sanitários.

EDITAL

A Emsurb publicou o edital no último dia 9 de maio e, de acordo com o cronograma, a abertura dos envelopes ocorrerá no dia 4 de junho. “Fizemos um trabalho muito minucioso, para que não houvesse erros e que cumpríssemos o prazo acordado com o MPE de publicação do edital”, explica Luiz Roberto.

Segundo ele, as feiras passarão a ser padronizadas, com definição de dia de montagem e de desmontagem, organização, sem causar prejuízos à cidade e com foco em oferecer o melhor para o cidadão. A licitação envolverá as 25 feiras da capital, que serão divididas em lotes.

No lote 1, estão as feiras do Augusto Franco, Orlando Dantas, Santos Dumont, Costa Nova, Médici e Santa Tereza. No lote 2, estão as do Sol Nascente, Castelo Branco, Grageru e Bairro América. O lote 3 é formado pelas feiras do São José, 18 do Forte, Cirurgia, Bugio e Suíssa.

Thiaguinho: “edital e projeto são do poder executivo, mas o legislativo também debateu esse assunto”

ASSOCIAÇÃO

Benedito Amado Pinto, mais conhecido como André Camelô, concorda com isso. Ele é presidente da Associação dos Camelôs e Feirantes de Aracaju há seis anos e vem acompanhando essas mudanças com bastante otimismo.

“Quando entrei, as bancas eram enferrujadas, as lonas rasgadas, as feiras sem fiscal. Uma verdadeira bagunça”, lembra André Camelô. Ele, inclusive, foi ao Ministério Público para denunciar a situação, que envolvia outros aspectos, como indícios de desvio dos recursos arrecadados.

“Os valores pagos pelos feirantes não estavam chegando à Prefeitura. E era muito dinheiro, cerca de R$ 3 milhões”, revela André. Ele explica que os valores pagos pelas bancas variam a depender dos dias e dos locais das feiras, mas estão entre R$ 20 e R$ 15.

 

LEGISLAÇÃO

O Ministério Público de Sergipe é um dos entes envolvidos nesse processo de adequação das feiras livres. No lançamento do edital, o prefeito Edvaldo Nogueira chegou a agradecer a parceria com o órgão e, mais especificamente, com a promotora Euza Missano.

“Quero agradecer a Euza Missano, que teve a garra para brigar, para querer e insistir. O trabalho de controle é fundamental, pois nos estimula a fazer o melhor. Euza teve também paciência e compreensão. O equilíbrio foi importante e, por isso, conseguimos fazer agora, fruto da dedicação de todos que fazem a Emsurb, tão bem comandada pelo presidente Luiz Roberto”, declarou Edvaldo.

A promotora Euza Missano acredita que a licitação representa um avanço social, um marco. “É um passo largo que nos deixa muito feliz. É uma construção de muitos anos. Hoje, o prefeito lança este edital garantindo à população um ordenamento, um serviço digno, é um avanço social para os feirantes e consumidores. A administração municipal compreendeu a importância deste trabalho”, considera Euza.

A promotora de Justiça Cláudia Calmon também participa das ações. Ela tem se reunido com representantes das demais entidades a fim de orientar sobre a necessidade de cadastramento dos comerciantes, orientando-os na regularização e comercialização dos produtos. Para Cláudia Calmon, as operações têm o intuito de fiscalizar as feiras livres e os padrões de qualidade dos produtos de origem animal comercializados.

Edvaldo ficará marcado como o prefeito que conseguiu realizar a licitação para a gestão das feiras